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Luiz Felipe Pondé: missão de escrever sobre filosofia “para um público mais amplo” | Antônio More/Gazeta do Povo
Luiz Felipe Pondé: missão de escrever sobre filosofia “para um público mais amplo”| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

O filósofo, escritor e ensaísta Luiz Felipe Pondé esteve em Curitiba na última segunda-feira (10) para uma sessão de autógrafos de seu novo livro, “Filosofia para Corajosos”. Partindo da premissa de que pensar não deve ajudar ninguém a ser mais feliz , o autor propõe “filosofar com coragem”, sem se preocupar com as respostas desconfortáveis que vão surgir para perguntas difíceis.

Com a missão de escrever sobre filosofia “para um público mais amplo”, Pondé introduz grandes temas filosóficos e apresenta alguns de seus principais pensadores. E encerra o livro com uma análise dura dos nossos tempos (“Por que acho o mundo contemporâneo ridículo?”) – para ele, marcados por uma cultura “narcísica”.

“É um mundo que, por conta da democracia e da pressão de mercado, de certa forma faz com que tenhamos que ficar falando para que as pessoas fiquem felizes, como se fosse uma autoajuda o tempo inteiro”, diz Pondé. Em entrevista à Gazeta do Povo, o escritor explicou como esta cultura . Leia os principais trechos.

Redes sociais

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“Na política partidária, um dos exemplos que eu daria está associado às redes sociais – uma plataforma muito narcísica. A pessoa fica em sua página, movida por um repertório curto, xingando todo mundo. Você tem uma tendência a repetir o que você já pensa. Acho que isso é inclusive o motivo para as redes sociais terem se tornado uma ferramenta de tanta polarização, violência, repetição e os crescimento dos chamados ‘haters’. O narcisismo é uma tendência geral na democracia, porque na democracia todo mundo se acha capaz de ter opinião. A presença das redes sociais é uma novidade, multiplicando a violência e a polarização. Mas acho que vale a pena lembrar que quem introduziu a truculência no debate politico brasileiro foi o próprio PT e sua militância.”

Política brasileira

“Há elementos recentes interessantes na politica brasileira. Primeiro, a derrocada do PT, que foi, durante décadas, o partido mais importante no país – o único partido verdadeiro, com uma militância orgânica, com um quadro gigantesco de intelectuais que trabalham para a ideologia do partido. A descoberta de que o PT é um partido corrupto como todos os outros acabou fazendo parecer que ele é pior, porque ele posava de virgem, de santo, daquele que representava o pobre. Com a desastrosa gestão econômica, ele acabou destruindo qualquer suposta melhoria das condições dos povos. A política no Brasil hoje tem essa marca – uma espécie de outono do PT como expectativa transformadora da sociedade para muita gente.”

Guinada à direita

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“A chamada guinada à direita que as eleições de prefeito estão trazendo – inclusive de forma retumbante em São Paulo –, está ligada ao que eu falava no início: um cansaço com o populismo de esquerda, uma percepção de que o PT não era o que dizia ser e não representava uma redenção da política. O medo da desorganização econômica levou a população a fazer escolhas mais conservadoras no sentido econômico. E também tem uma reação conservadora no sentido moral, com o fortalecimento de grupos evangélicos. Me parece ser uma frente de pessoas meio silenciosa, mas que tem um pouco de medo das transformações contemporâneas, das questões de sexualidade e novas práticas de família. Essa presença de evangélicos na política, que de fato representa grande parte da população, tem assustado muita gente.”

Posições liberais

“A ditadura brasileira destruiu a possibilidade de alguém se identificar com a direita e não se sentir um torturador. A esquerda trabalhou muito com isso, e continua trabalhando. O ponto de inflexão deste processo é justamente o surgimento de uma direita liberal em economia e conservadora em política – no sentido de ser a favor da propriedade privada, contra democracias de forma direta e contra o populismo de esquerda à Venezuela. Uma direita que pede estado menor e equilíbrio fiscal. Acho que, se as coisas continuarem do jeito que estão, talvez o Brasil consiga entrar num ciclo em que a defesa de posições à direita seja compreendido como uma posição liberal em termos de economia e em termos de moral – que eu, pessoalmente, acho que é a melhor direita que tem.”

Filosofia para corajosos

Luiz Felipe Pondé

Editora Planeta

192 páginas

R$ 34,90

Cara nova na política

“Uma novidade ainda pequena, mas que acho que tem feito bastante barulho, é o surgimento de jovens liberais: gente jovem identificada com o modelo liberal, com a defesa do mercado e de um liberalismo produtivista, com a ideia de autorresponsabilidade pela sua própria vida. Acho que estes jovens,que têm feito presença em movimentos estudantis nas universidades, nas redes sociais e nas organizações, têm dado uma cara nova para o debate político no Brasil.”

Espectros da direita

“Durante muito tempo a palavra direita foi uma forma de xingar uma pessoa. Dizer que era de direita significava dizer que não era confiável, cozinhava criancinhas e era a favor de as pessoas morrerem de fome. A palavra direita no Brasil está começando a ganhar uma semântica mais ampla. Acho que a política hoje tem um espectro que pode ser representado por figuras como Jair Bolsonaro (PSC-RJ), Henrique Meirelles (PSD-SP), Fernando Holiday (DEM-SP), Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Marcos Feliciano (PSC-SP). Todos eles entram em conflito com o PT e com a esquerda. Mas, num universo em que o PT e a esquerda estivessem muito enfraquecidos e com pouca importância, esses grupos entrariam em conflito.”

Socialismo

Tenho ido à Romênia. Ouço com frequência de jovens romenos que eles têm impressão de que nós, no Ocidente, deliramos. Eles acham engraçado como professores ainda levam Marx a sério nas universidades daqui, uma vez que o marxismo foi posto em prática e arrebentou com o Leste Europeu inteiro: produziu um sistema de opressão semelhante ao nazista e arrebentou com a economia. Eles acham engraçado como jovens ainda acham que o socialismo é um regime viável – um regime de economia planificada, que destrói a atividade individual de busca de riqueza, que tem que produzir sistemas burocráticos de controle gigantescos.

Capitalismo

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Tem muita coisa que precisamos pensar como efeito colateral do enriquecimento, que a gente não consegue pensar porque é obrigada a ficar enfrentando um pensamento atrasado, oportunista, populista e utópico de esquerda. Um jovem romeno ou polonês tem uma percepção da realidade muito mais completa do que um francês ou brasileiro de classe média alta, que frequenta universidades boas e faz Ciências Sociais. Eles têm uma percepção da realidade muito mais concreta. Porque sabem que a vida é dura, sem garantias, e que você precisa correr atrás do prejuízo. Mas há toda uma gama de pessoas, no Ocidente e inclusive nos próprios Estados Unidos, que começou a assumir que a riqueza é um dado. Mas é a pobreza é que é um dado evidente. É como a lei da gravidade: quando para de bater as asas, você cai.

Jovens mimados

Antônio More/Gazeta do Povo

Daqui a 500 anos vão se lembrar da nossa época como uma era de ressentidos e mimados. Acho que a sociedade de mercado avançada está produzindo uma classe de pessoas, principalmente jovens, que acham que tudo cai do céu. Acham, por exemplo, que direito é uma coisa evidente. E não é: direito é uma coisa que custa muito dinheiro. Precisa ter uma estrutura econômica muito sólida para produzir direitos humanos, ou seja lá o que for. O sociólogo americano Daniel Bell diz que o capitalismo produziu uma cultura que é contraditória em relação às virtudes que produziram o capitalismo – muito trabalho, vida austera, rotina, conservadorismo moral em relação a família e costumes. O capitalismo produziu uma cultura que faz você achar que não precisa trabalhar muito para ganhar dinheiro; que as pessoas devem ter garantias de vida. E garantia não produz riqueza: ela onera o Estado e produz desequilíbrio fiscal.

Falácia

Sete bilhões de pessoas querendo ser felizes não cabem no mundo. O capitalismo precisa de uma cultura de consumo, para gerar o dinheiro e produzir riqueza. Mas, se 7 bilhões de pessoas viverem como americanos ou suecos, o mundo vai explodir. E é isso que todo mundo quer. A ideia de que tem riqueza para todo mundo é uma das falácias do mundo contemporâneo. É o que quero dizer por ridículo na última parte do livro. Que o nosso pensamento, e da maior parte dos intelectuais, virou um clero que fica pregando justiça social e igualdade quando, na realidade, é fato que 7 bilhões de pessoas querendo ser felizes não cabem no mundo. Parece que ninguém consegue lidar com o fato de que existe algo de contingente e sem garantia na vida.

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