
Embora o mais recente longa-metragem de Pedro Almodóvar, Amantes Passageiros, seja uma comédia rasgada, que marca um certo retorno do diretor a seus primeiros filmes, é impossível dissociar seu cinema de outro gênero, que mesmo em seus títulos mais engraçados se faz presente seja como referência estética ou na própria construção da trama: o melodrama.
Cinéfilo ávido e de gosto tão eclético quanto democrático, Almodóvar tem conexões com o cinema clássico norte-americano, sobretudo produções das décadas de 30, 40 e 50, mas também dialoga como os dramalhões mexicanos e argentinos, e até mesmo com a telenovela latina. Sem falar da literatura pulp, desbragadamente romântica, homenageada em A Flor do Meu Segredo (1995), em que Marisa Paredes, uma das atrizes-fetiche do cineasta espanhol, vive uma escritora de segundo time, cujas tramas mirabolantes, de contornos folhetinescos, se confundem com a própria vida da autora.
Feminino
O melodrama, por muito tempo, sempre foi menosprezado como um gênero popular demais, destinado ao público feminino que frequentava os cinemas à tarde, enquanto os maridos trabalhavam, para fugir da realidade, sonhar (e chorar) um pouco. Histórias dramáticas, caudalosas, marcadas por reviravoltas por vezes inverossímeis, sempre sob o compasso de trilhas sonoras feitas para emocionar (o tal melos, de melodrama), essas histórias não eram levadas a sério, salvo por suas fiéis espectadoras.
Até que os acadêmicos e pesquisadores de cinema nos anos 1960 e 1970, na esteira do movimento crítico iniciado pela revista francesa Cahiers du Cinéma, começaram a olhar para esses filmes de outra forma. Um diretor como Douglas Sirk, por exemplo, foi elevado da condição de artesão, pau mandado, a grande criador, e observador crítico da sociedade norte-americana de seu tempo, quando títulos como Tudo o Que o Céu Permite (1955), Palavras ao Vento (1957) e Imitação da Vida (1958) passaram a ser vistos com outros olhos.
Por baixo do excesso formal, das vastas emoções esparramadas pelas tramas arrebatadas, feitas sob encomenda para emocionar o grande público, havia contundentes comentários sobre a condição da mulher, o patriarcalismo, a distinção entre classes e o racismo, entre outras mazelas varridas para baixo dos tapetes das confortáveis cidades da classe média americana do pós-Segunda Guerra Mundial.
Tudo sobre Minha Mãe
Antes de Almodóvar, Reiner Werner Fassbinder, em filmes como O Casamento de Maria Braun (1978), já havia revisitado o melodrama de Sirk e de outros mestres hollywoodianos enquanto forma cinematográfica popular e acessível, para discutir temas muito sérios, ao exagerar nas cores dramáticas da trágica história da sua protagonista.
Em Tudo sobre Minha Mãe, filme que deu a Almodóvar o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2000, a premissa não poderia ser mais melodramática: o jovem Esteban (Eloy Azorín) quer descobrir, a todo custo, a identidade paterna, escondida pela mãe, Manoela (Cecilia Roth, outra habituée dos filmes do diretor). O rapaz acaba morrendo aos 17 anos, tentando pegar o autógrafo de uma atriz famosa, Huma Rojo (Marisa Paredes, de novo) sem saber quem é, afinal, seu pai mais tarde vamos descobrir que ele é hoje um travesti soropositivo chamado Lola (Toni Canto).
Desesperado com a perda do filho, Manuela parte para Barcelona em busca de Lola e lá se torna, por força do acaso, assistente de Huma, a mulher que Esteban idolatrava.
Na trama de Tudo sobre Minha Mãe, tudo, como nos melhores (e piores) melodramas, parece submetido à mão inclemente do destino. As situações se encadeiam de forma aparentemente forçada, com a evidente intenção de emocionar, o que, no cinema de Almodóvar, sempre coloca as histórias que conta na fronteira do ridículo, do tragicômico: ele é capaz de fazer o público morrer de rir e se emocionar em questão de poucos minutos.
Há sob essa artificialidade formal, esse intuito de brincar com os caminhos narrativos e os sentimentos do espectador, uma impressionante autenticidade emocional. Como se o diretor quisesse dizer que, apesar de ridículas, as emoções não são menos, e talvez até mais, reais. E assim, no caso específico de Tudo sobre Minha Mãe, Almodóvar discute a maternidade, a dor da perda, a aceitação do outro, a possibilidade de recriar uma família a partir de paradigmas nada convencionais, alternativas, e a solidariedade entre as mulheres. Não é pouco. E faz uma obra-prima, uma entre tantas, que passam por esses mesmos caminhos. Genialmente melodramáticos.



