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Slideshow | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Slideshow| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Verter para o teatro a prosa singular de Guimarães Rosa foi a proposta ousada e bem-sucedida que a Sarau Agência de Cultura Brasileira trouxe ao Festival de Teatro de Curitiba. Apresentada ontem e terça-feira, no Teatro da Reitoria, a montagem A Hora e a Vez de Augusto Matraga reproduz o texto e a riqueza lírica da última novela de Sagarana, livro publicado em 1946. Fiéis à escrita de Rosa, as vozes dos atores carregam os neologismos e compõem diálogos em primeira e terceira pessoa – uma estrutura inusitada em que os personagens narram os outros e a si mesmos.

A Hora e a Vez de Augusto Matraga exige atenção concentrada a cada palavra reinventada por Rosa e proferida por um personagem. Em mais de uma hora e meia, o exercício rigoroso para entender as frases é suavizado pelas canções que aproveitam toda a musicalidade do texto original e a emoção da trajetória de Nhô Augusto. A história da redenção do homem violento que desiste do mal em busca do perdão de Deus é profundamente humana e carregada pela tensão entre os desejos de elevação e os carnais. "Cada um tem a sua hora, e há-de chegar a minha vez!", proclama Augusto Matraga. "Para o céu eu vou, nem que seja a porrete!"

O Nhô Augusto de Vladimir Brichta oscila entre a dureza e a brandura, com a intensidade e a violência que cada momento da trama impõe. Os outros oito atores divertem-se em uma constante troca de personagens, que leva a atriz Georgiana Góes de prostituta a capanga em alguns minutos e o ator Marcelo Flores de recadeiro medroso a casca-grossa em um instante e uma troca de chapéu.

A simplicidade dos recursos cênicos, manejados com criatividade, permite metáforas lúdicas que provocam a imaginação e o humor. A filha de Matraga e Dionóra, em vez de interpretada por uma atriz, é representada por uma flor. Quando "perdida na vida", a garota volta ao pai em forma de pétalas de rosa soltas, entregues pelos homens que a tiveram. A violência é resolvida de modo semelhante. Quando do espancamento de Nhô Augusto, Brichta permanece acuado e imóvel no chão, enquanto, ao lado, é uma peça de carne que treme sob pauladas. A brutalidade da cena não é diminuída.

O sertão do norte de Minas-Gerais é recriado no palco pela crueza do cenário, reduzido às carcaças de gado e a poucos móveis de madeira. A terra colore solo e vestes. A iluminação precisa de Renato Machado determina as mudanças espaciais e temporais e preenche as cenas de tensão ou paz. Neste ambiente sertanejo, A Hora e a Vez de Augusto Matraga promove um fecundo reencontro entre a literatura e o teatro nacional. GGGG1/2

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