
No início deste ano, o rapper norte-americano Kanye West, em mais uma de suas entrevistas-bomba, declarou que o processo de criação de seu quinto álbum, o recém-lançado 808s Heartbreak, vinha sendo constantemente influenciado pela figura de Patrick Bateman.
Personagem central do romance Psicopata Americano, de Bret Easton Ellis vivido no cinema por Christian Bale (Batman O Cavaleiro das Trevas), na adaptação cinematográfica de Mary Harron Bateman é um serial killer yuppie, viciado em sexo, drogas e compras.
Antes que despertasse o ódio das feministas Bateman assassinava mulheres de maneiras brutalemente cruéis , Kanye explicou que sua fascinação pela história, escrita por Ellis em 1991, devia-se à importância exacerbada que seu personagem central dedicava à aparência, a rótulos e a grifes. Por isso mesmo, a reverência de West a Bateman não surpreende: até no bufante e dourado mundo do rap o consumismo desenfreado de Kanye é criticado por seu colegas.
Após perder a mãe, Donda West, no ano passado ela teve um ataque cardíaco, após ser submetida a uma cirurgia plástica de redução dos seios e de romper o noivado com a designer Alexis Phifer, em abril deste ano, Kanye parece que ter percebido que a vida é mais importante do que ter a logo de Louis Vuitton estampada em suas malas de viagem.
Com o coração partido e uma Roland TR-808 (primeira bateria eletrônica programável, criada no final dos anos 1980) debaixo do braço, Kanye deu início a uma empreitada audaciosa: fazer de sua dor motivo para um renascimento pessoal e artístico. Após excursionar com o U2, durante o ano passado, Kanye foi brindado com a iconoclastia necessária para deixar de ser um dos grandes nomes no hip-hop atual para se transformar, simplesmente, em um popstar.
Por isso não se assuste: quase não há rimas em 808s Heartbreak. Kanye agora é cantor graças ao milagroso plug-in Antares Auto-Tune (que conserta possíveis desafinadas artificialmente e dá à voz aquele efeito robótico), diga-se de passagem.
E a transformação não pára por aí. Da primeira à última canção, o novo álbum do rapper abusa de atmosferas sombrias, quase claustrofóbicas, que não chegam nem a lembrar a sonoridade de Kanye num passado recente. Tanto que "Welcome to Heartbreak", remete às canções do trio inglês Depeche Mode. Repleto de loops de piano, arranjos de cordas e linhas de baixo climáticas, é um alívio ouvir a explosão percussiva de "Love Lockdown" ou o refrão dançante de "Paranoid" dois dos poucos momentos em que a tensão desaparece.
Kanye, mesmo com Auto-Tunes, não canta nada bem. É fato. Mas, mesmo com voz de robô, suas canções continuam apontando novos caminhos ao tão estagnado hip-hop. Ao trabalhar com a mais básica das baterias eletrônicas, Kanye ressuscita influências eletrônicas do fundo do baú do Detroit techno, em "Cold Winter", a Kraftwerk, em "Say You Will". Com seu quase electro-pop, West permanece entre os ilustres na mesma galeria de Timbaland e Pharell Williams, mestres em incorporar ao hip-hop elementos antes considerados "pouco viris" dentro do universo machista desse gênero musical. E isso, por si só, já é um grande mérito. GGG1/2



