
São poucas as peças que conseguem causar uma sensação física tão real quanto faz Nada a Dizer, em cartaz no Teatro José Maria Santos. O frio da noite curitibana conduz o protagonista inspirado em Holden Caulfield, narrador de O Apanhador no Campo de Centeio, que, no romance de J.D. Salinger, relata dias de caminhada incansável pelas ruas de Nova York.
O ator Diego Duda também caminha bastante no espetáculo, em trajetos que recebem cada vez mais obstáculos visuais a iluminação de Rodrigo Ziolkowski surge como uma ameaça semelhante à do fluxo de consciência promovido pelo romance: não se sabe de onde vem e para onde vai.
Não se trata de uma adaptação, até porque, como destaca o autor Marcos Damaceno, Salinger, morto em 2010, nunca permitiu versões teatrais ou cinematográficas de sua obra. Após os dez anos que passou construindo a trama em contos que depois desembocaram no romance, o norte-americano se isolou no interior dos EUA desejo manifestado por Holden.
Assim envolto em mistério, o livro exerceu grande influência na formação de Diego, que projetou o espetáculo e oficinas com adolescentes para falar e escrever sobre o tema.
O texto encomendado de Damaceno mudou cerca de 20 vezes, a ponto de o diretor Laercio Ruffa colocar um ponto final nas mudanças e determinar o "agora vai".
Uma escolha da montagem que incomoda alguns e tranquiliza outros é pelo silêncio: o início da peça é delongado em vários minutos, enquanto Diego está esparramado no centro do palco, com luz apenas na boca.
Enquanto desenvolve o texto, há trechos em que a união de voz única com lirismo, angústia existencial e espaçamento entre falas acaba transportando o espectador para longe. Volte rápido, porque a peça é curta.
Em outros momentos o ator também se atém aos movimentos e espera largos segundos entre uma fala e outra. Um alívio quando a interpretação onipresente é a da gritaria e do esbravejo. GGG



