
A primeira coisa que o leitor faz ao pegar o livro Gigantes do Futebol Brasileiro (Editora Civilização Brasileira) é verificar se este ou aquele jogador está na lista revisada de 21 craques oito a mais do que a edição original, de 1965 de João Máximo e Marcos de Castro, com ilustrações de Ique. Coisa que todo fã de futebol faz mecanicamente, com qualquer lista deste tipo.
Esse gesto involuntário do leitor/torcedor o leva a praticar o que todo sujeito apaixonado por futebol mais gosta de fazer: relembrar jogadores do passado, esquadrões que fizeram história. Como toda lista do mundo da bola, Gigantes estimula um diálogo do leitor com a história do futebol. E, como toda lista, é discutível.
Faltam, sim, nomes fundamentais do nosso futebol. Djalma Santos, bicampeão mundial, considerado por muitos o melhor lateral direito da história do futebol, talvez seja o mais injustiçado. Mas os 21 de Gigantes estão bem escalados. Da lista, discute-se quem não está nela. Os que estão são intocáveis.
Desde a primeira publicação, Gigantes entrou para a lista dos grandes clássicos da literatura futebolística, ao lado de O Negro do Futebol Brasileiro, Bíblia do universo boleiro, de Mario Filho, Os Subterrâneos do Futebol, de João Saldanha, e qualquer crônica de Nelson Rodrigues sobre o esporte bretão.
Os 21 textos de Gigantes não são meras minibiografias de jogadores cujas carreiras foram além do normal. São relatos de como homens comuns transformaram-se em mitos. De como esses sujeitos ultrapassaram a cerca daquilo que o próprio Nelson Rodrigues definia como craque: o homem para quem o tempo jamais passa.
Pela precariedade de se documentar registros, a conotação de mito fica mais clara no livro para os jogadores da primeira metade do século passado. Como Friedereich, o primeiro craque brasileiro, mulato, filho de um alemão com uma ex-escrava e que só marcou menos gols do que Pelé. Romeu, o negro da pequenina Codó, (MA), que no início dos anos 1930 saiu do Vasco para iniciar a tradição de brasileiros no Barcelona. Leônidas, o primeiro craque reconhecido nacionalmente. Tim, o maior driblador do país até surgir Garrincha e que virou um dos maiores técnicos do Brasil, com passagem tão gloriosa pelo Coritiba nos anos 70 que até logradouro virou (Praça Elba de Pádua Lima, nome original de Tim, no bairro Capão Raso).
Mas o melhor relato do surgimento de um mito está no capítulo dedicado a Domingos da Guia. Na segunda partida do zagueiro pela seleção, com apenas 19 anos, contra o Uruguai mesmo país que em pouco tempo o zagueiro se tornaria ídolo pelo Nacional de Montevidéu e de cuja imprensa receberia o apelido de Divino Mestre , coube a ele marcar o principal jogador da Celeste. O atacante Dorado era conhecido pelas arrancadas rápidas, praticamente impossíveis de serem contidas. Pois, numa dessas corridas, Dorado fora confiante como sempre à intermediária. Passou por todos os marcadores, inclusive Domingos. Ainda passaria pelo goleiro, até o arremate, quando só então se deu conta de que a bola já não estava mais em seus pés. Estava com Domingos da Guia, que, tamanha classe, já a havia roubado e começado o contra-ataque sem o uruguaio e nem os próprios companheiros de time perceberem.
Nos perfis dos jogadores mais recentes, essa magia perde um bom tanto do encanto. No de Tostão, um deslize grave. Maior jogador da história do Cruzeiro, integrante da equipe mineira que foi das poucas a fazer frente ao Santos de Pelé, o hoje renomado colunista é ilustrado pelo desenhista Ique com a camisa do Vasco, clube pelo qual ele realmente jogou, mas cujas glórias não chegam nem perto das dos tempos de Raposa. No de Falcão, os autores se limitaram a citar aspas longas do próprio jogador, sem uma edição mais requintada, como era o futebol do ídolo colorado. No de Zico, o craque é deixado de lado nas três primeiras páginas. A impressão que se tem no início do texto é de que os autores apresentarão o perfil de Anselmo um reserva que saiu do banco do Flamengo na decisão da Libertadores, em 1981, com a missão exclusiva de dar um soco em um jogador que batia em todo o time rubro-negro. Na de Romário, o texto chega a ser irritante de tantas críticas desnecessárias no contexto do livro ao novo acordo da língua portuguesa um preciosismo de Marcos de Castro, que, além de jornalista, é linguista.
No mais, o livro de Máximo e Castro é um excelente retrato do surgimento e transformação do futebol brasileiro. De como deixamos a influência britânica dos pioneiros no país para criarmos nossa própria identidade futebolística nos pés destes gigantes do futebol.
Serviço:
Gigantes do Futebol Brasileiro, de João Máximo e Marcos de Castro. Editora Civilização Brasileira, 450, R$ 49,90.







