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O burburinho em torno do seriado “House of Cards”, cuja quarta temporada foi lançada no começo deste mês, parece ter diminuído significativamente.

Claro, é natural que um seriado que já foi um estrondo perca o ímpeto com o tempo. Mas talvez isso também se deva ao fato de que na última temporada, apesar das boas atuações de Kevin Spacey e Robin Wright, trouxe histórias desnecessariamente complexas, artimanhas políticas mortalmente entediantes e subtramas questionáveis que não serviam a nenhum propósito.

Apesar de que, quando se pensa a respeito, a primeira temporada teve problemas semelhantes. A segunda, também. Então temos de nos perguntar: “House of Cards” decaiu drasticamente? Ou sempre foi ruim assim?

A segunda alternativa é plausível, especialmente quando se leva em consideração a Teoria do Rolo Compressor de Assistir Tudo de Uma Vez, uma ideia da crítica de televisão da revista Slate, Willa Paskin. Refletindo a respeito da vasta quantidade de programação disponível na era da “peak TV” (televisão de pico, em tradução livre, termo que se refere à grande quantidade programação e à variedade de serviços de “streaming” disponíveis atualmente), Paskin argumenta que é muito mais fácil derramar elogios generosos sobre um seriado duvidoso se você assistir a ele de maneira muito, mas muito rápida. Especialmente um que é muito bem dirigido e tem atores de peso.

“Existem incentivos estruturais no momento atual da televisão para se maquiar as inconsistências que permeiam a programação... Acredito que assistir tudo de uma vez passa um rolo compressor sobre os defeitos. É como dirigir em uma rodovia em alta velocidade. Se a vista é agradável em sua maior parte, você não repara na saída de esgoto a céu aberto pela qual você passou voando uma vez”, escreveu Paskin. “O maior truque do Netflix foi nos convencer de que assistir tudo de uma vez é um sinal de que o seriado é muito bom e não apenas um sinal de que está imediatamente disponível.”

Alguns críticos de televisão, como Emily Nussbaum, da New Yorker, notaram esses problemas na primeira temporada. “Dias após ter assistido ao seriado, seu feitiço encantador se esvaiu – e se ‘House of Cards’ tivesse sido transmitido uma vez por semana talvez eu tivesse deixado de acompanhá-lo antes”, ela escreveu. Naquela época, Hank Stuever do Washington Post disse que o Netflix “fez tudo certo e ainda assim deu meio errado”, observando que o seriado foi prejudicado por sua própria seriedade.

O papel do Netflix na equação é importante, especialmente para se ponderar por que “House of Cards” teve uma recepção tão calorosa quando estreou em fevereiro de 2013. Anunciado como o primeiro grande seriado do Netflix, causou uma sensação considerável quando o serviço de “streaming” tomou a decisão incomum de disponibilizar todos os 13 episódios de uma vez só – uma novidade! Com o diretor aclamado David Fincher e o estimado roteirista Beau Willimon no comando, o seriado, bem acabado, parecia um filme. Spacey estava obviamente se deliciando ao interpretar o político corrupto Frank Underwoord, e Wright roubou a cena como sua esposa igualmente ardilosa, Claire.

Críticos imediatamente ressaltaram a natureza escandalosa do seriado, e algumas pessoas ligadas ao mundo da política o odiaram instantaneamente por sua visão irrealista (mesmo para um programa de televisão) de Washington. Outros tiveram grandes problemas com a personagem de uma jovem jornalista que foi rapidamente para cama com sua fonte.

Contudo, o seriado foi recebido com entusiasmo pela maioria. Um resultado disso foi que alguns telespectadores não tiveram tempo de digeri-lo completamente – eles só queriam se apressar para assistir e entender o porquê do rebuliço. Logo, ele se tornou uma parte importante do vocabulário cultural, especialmente em Washington. (Como colocou o New York Times, “Então, em que episódio de ‘House of Cards’ você está?” se tornou o novo quebra-gelo oficial da capital americana.) O seriado foi indicado a nove Emmy’s e, em razão do gabarito de seus criadores, foi imediatamente admitido no clube dos “dramas televisivos de alta qualidade”.

Com o passar do tempo, as pessoas eventualmente começaram a reconhecer que “House of Cards” talvez tivesse um visual bem acabado, mas era no fim das contas tão ridículo quanto qualquer novela mexicana. (Confira: o diálogo entre Frank e sua ex-pupila e amante, Zoe Barnes.)

“É um seriado repleto de intrigas políticas para aqueles que acham que são bons demais para algo tão novelístico quanto ‘Scandal’. Mas estamos nos iludindo”, Andry Gray do jornal Tribune Chronicle disse. “’House of Cards’ é de tão baixo nível e tão exagerado quanto ‘Scandal’, só que sem as restrições da televisão aberta.”

No final da segunda temporada, o crítico de televisão do site de entretenimento HitFix Alan Sepinwall declarou que ele é “simplesmente um seriado ruim com a pretensão de ser bom – um seriado da USA [canal de televisão a cabo americano] que é ruim porque pensa que é da HBO”.

Enquanto a primeira temporada tentou ao menos persuadir o telespectador a se deixar levar por suas tramas bizarras (como a jornada insanamente complicada de Frank para se tornar vice-presidente), a segunda temporada saiu dos trilhos e abandonou qualquer aparência de consciência do próprio absurdo, enquanto dobrou suas apostas na maluquice. Frank embarcou em um plano tão intricado e cheio de passos para tomar a Casa Branca que você precisaria de um gráfico para entender. Ah, e ele se safou de ser preso por assassinato. Duas vezes.

Então a terceira temporada trouxe a presidência de Frank, e atolou-se fundo demais nas especificidades de suas políticas para o país. Como outros notaram, o seriado ficou maçante quando Frank (e outros) se tornou dedicado demais a planos para mudar o mundo, e tempo de mais foi gasto no seu plano de geração de empregos “America Works”.

Um crítico ficou aliviado que a presença do antigo braço direito de Frank, Doug Stamper (interpretado por Michael Kelley), agitou um pouco as coisas, e que seu personagem “apagou até mesmo o tédio da calmaria do meio da segunda temporada”. Mas então a trama de Stamper se tornou um dos elementos mais embaraçosos do seriado, conforme a terceira temporada começou com uma prostituta despejando whisky em sua boca e terminou com ele assassinando uma mulher. Jogue os problemas conjugais de Frank e Claire, tendo a solidez de sua relação sido no passado um dos alicerces da trama, e você uma temporada fora de prumo e frequentemente enfadonha.

Depois de acompanhar uma temporada como essa, você começa a imaginar: foram a primeira e a segunda temporadas uma sátira política absurda, ou levaram a si mesmas tão a sério e se contorceram tanto quanto a terceira? Levando em conta que você provavelmente as viu cada uma no intervalo de uma semana há anos, é fácil esquecer. Esta é a beleza do Netflix – e como eles nunca vão liberar índices de audiência, ninguém nunca vai sequer saber quantas pessoas assistiram.

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