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Cinema

Indiferença trágica

O cineasta e roteirista irlandês Terry George não faz rodeios. Para ele, o mundo não dá a mínima para o que acontece na África. Seja a epidemia de aids, responsável pela morte de milhões no continente há mais de duas décadas, ou os sangrentos conflitos tribais, que também deixam todos os anos um rastro revoltante de cadáveres, nenhuma indignidade parece comover, de verdade, as lideranças dos países desenvolvidos.

Diante dessa certeza, o diretor enfiou uma idéia na cabeça: realizar um filme que colocasse essa indiferença na berlinda e, ao menos, provocasse alguma reação no Ocidente. Assim nasceu o projeto do drama político Hotel Ruanda, que hoje estréia em circuito nacional.

Arte engajada não chega ser uma novidade para George. Como roteirista, já havia recebido uma indicação ao Oscar pelo esplêndido roteiro de Em Nome do Pai (1993), filme do conterrâneo Jim Sheridan sobre Gerry Conlon, preso injustamente na década de 70 pela polícia britânica, sob a acusação de ter participado de um atentado do IRA (Exército Republicano Irlandês). A mesma temática também está no centro do comovente longa-metragem Mães em Luta (1996), dirigido por George, com a grande Helen Mirren no elenco.

Quando buscava um projeto que discutisse de maneira consistente a situação da África no cenário internacional, chegou às mãos de George a história de Paul Rusesabagina, o gerente de um hotel de luxo em Kigali, capital do país, que, durante o genocídio de 1994, escondeu nas instalações do estabelecimento centenas de tutsis, grupo étnico que estava sendo trucidado às centenas de milhares por conta de uma rivalidade tribal secular.

"O que mais me chamou a atenção na história de Paul é que ele, um hutu que, ao menos teoricamente, estava salvo do massacre, resolveu enfrentar toda sorte de adversidades para salvar o maior número de vidas que conseguisse", explica o cineasta. A bravura de Rusesabagina, entretanto, não foi o único aspecto que despertou em George o desejo de voltar todos os seus esforços para o projeto de Hotel Ruanda. A indiferença internacional com o que estava ocorrendo no país foi outro fator fundamental na sua decisão de fazer o filme sair do papel.

"À época, as atenções internacionais estavam voltadas, em termos continentais, para as eleições na África do Sul. No âmbito mundial, o conflito na Iugoslávia fez com que a ONU centrasse todas as atenções nos Balcãs, uma região muito mais importante do ponto de vista geopolítico e econômico – e povoada por brancos", afirmou o diretor.

Realizar Hotel Ruanda não foi uma empreitada fácil. Embora o ocorrido na região central africana já fosse de domínio público mundial, e o episódio estivesse prestes a completar dez anos, conseguir dinheiro para financiar a produção foi tarefa árdua. "Hollywood até se interessou, mas apenas se eu conseguisse um ator popular como Denzel Washington ou Will Smith, bilheteria quase garantida", contou George, que tinha outros planos.

Na cabeça do diretor, apenas um ator poderia encarnar Paul Rusesabagina: o norte-americano Don Cheadle, conhecido por sua atuação em filmes como Onze Homens e Um Segredo e Boogie Nights – Prazer sem Limites. "Ele é o tipo de ator que tem a capacidade de desaparecer no papel, ao contrário de Washington ou Smith, superconhecidos", explicou. Para o papel de Tatiana, a mulher tutsi de Paul, o nome ideal surgiu quando George assistiu a Coisas Belas e Sujas, de Stephen Frears. A selecionada foi a inglesa Sophie Okonedo.

As escolhas de Terry George foram tão acertadas que tanto Cheadle quanto Sophie receberam indicações ao Oscar, assim como seu roteiro, escrito a quatro mãos com Keir Pearson.

O custo estimado de produção de Hotel Ruanda foi de US$ 15 milhões. Cerca de 40% desse total foram obtidos junto ao governo da África do Sul, onde boa parte do filme foi rodado. O restante foi conseguido graças a um aporte de recursos viabilizado por uma produtora italiana e a um empréstimo bancário. "Felizmente, houve um retorno substancial de público. Só nos Estados Unidos, fizemos US$ 23 milhões e estamos indo muito melhor do que o esperado no mercado americano de DVD", disse.

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