
Ninguém tem a bagagem, o carisma e a inteligência dela. Não querendo ser piegas, ela era o estandarte o nome mais importante do tipo de música e de pais em que nós acreditamos
É inusitado e impressionante ver uma mulher linda e de uma família quatrocentona resolver abraçar esses gêneros predominantemente masculinos e vistos como de quinta categoria na escala cultural do país no meio do século 20.
A morte da cantora Inezita Barroso, aos 90 anos, na noite do último domingo (8) em São Paulo é desses fatos com força suficiente para decretar o fim de uma era.
A cantora, atriz e pesquisadora atravessou as últimas seis décadas como a mais importante voz na defesa da música realmente popular e do folclore brasileiro.
Pode-se dizer, sem exagero, que foi uma das responsáveis por popularizar a música caipira, redimensionando-a como um produto de valor artístico.
Morreu ativa e relevante, ocupando um espaço na inteligência nacional que parece impossível de preencher.
Filha de uma família tradicional paulistana, Inezita teve uma educação sofisticada, porém, na fazenda da família, no interior paulista, desenvolveu seu amor pelas tradições do folclore brasileiro que ajudaram a mudar o status das manifestações populares.
“O folclore bruto é difícil de ser absorvido. Ela, no entanto, com seu vozeirão e com os arranjos cuidadosos que fazia, conseguiu dar outra dimensão sem distorcê-los”, afirma o jornalista e escritor Rodrigo Faour.
Faour fala com autoridade pois, em 2001, editou o lançamento de uma caixa de seis discos de Inezita gravados entre 1955 e 1961.
Ele ressalta que nessa época Inezita já percorria por conta própria, dirigindo um jipe, o interior do Brasil resgatando histórias e canções de várias regiões como músicas gaúchas, ritmos do norte do país, sambas e sambas-canção. (É dela, por exemplo, a primeira gravação do clássico Ronda, de Paulo Vanzolini).
Em especial das modas de viola caipira do interior de São Paulo da qual se tornou a grande embaixadora.
“É inusitado e impressionante ver uma mulher linda e de uma família quatrocentona resolver abraçar esses gêneros predominantemente masculinos e vistos como de quinta categoria na escala cultural do país no meio do século 20”, destaca Faour.
Uma geração mais novo que Inezita, o acordeonista curitibano Ivan Graciano, diz que é difícil medir a importância dela na difusão da cultura regional brasileira.
“Ela era uma mulher culta que adorava a cultura brasileira. Falava com o sotaque caipira que estava enraizado nela e que ajudou a difundir. É curioso que tem gente que faz o contrário e nega suas raízes. Nasceu no interior, mas tenta falar com sotaque carioca”, diz.
Além do trabalho de pesquisa e da grande produção fonográfica, Inezita também foi uma das estrelas do cinema brasileiro da década de 1950, auge da primeira era industrial dos filmes nacionais.
Foi também uma das figuras mais importantes da tevê nacional, apresentando por 35 anos ininterruptos o programa Viola, Minha Viola – desde a estreia, a maior audiência da grade televisiva da TV Cultura.
Veterano de oito participações no programa, o musico Oswaldo Rios, do grupo curitibano Viola Quebrada, afirma que não vê quem possa ocupar no futuro o lugar de Inezita. “Ninguém tem a bagagem, o carisma e a inteligência dela”, diz.



