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Jardinete Leonardo Henke é uma dos espaços públicos que dará lugar ao binário | Divulgação
Jardinete Leonardo Henke é uma dos espaços públicos que dará lugar ao binário| Foto: Divulgação

Nascido em União da Vitória, me criei em Curitiba nos estranhos anos 80. Descia ladeiras de rolimã no Juvevê, jogava bola no Alto da XV e perambulava nas quebradas verdes da baixada do Hugo Lange. Ali amarrei meu burro. Mesmo quando saí a ganhar o mundo, o muar me trazia de volta a meu território. Quando chega à redação Gazeta do Povo material novo de música paranaense, meu arco reflexo programa logo uma pernada à margem dos trilhos do trem para a audição. Assim nasceram muitas das colunas sobre a música local que volto a assinar todas às quartas-feiras.

Na última segunda-feira, saí no pôr-do-sol chuvoso a escutar a nova porrada do Hillbilly Rawhide. Do som, falarei na próxima. Antes, tenho que lamentar o erro grave que o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) quer, e pelo jeito vai, cometer naquela região.

O Ippuc quer criar (mais) um binário nas ruas Camões e Germano Mayer. Para abrir o corredor de carros, vai passar o trator em quatro praças, uma centena de árvores, acabar com as últimas ilhas de tranquilidade que são a vocação da região desde sempre, transformando-a num autorama em larga escala. Batizada por seus defensores de "Arquipélago da Camões", a região condenada inclui locais que foram apropriados pela população como o ponto de encontro e inteligência da banca do Gregório na rua Itupava e outros tantos.

Estive há duas semanas na "audiência pública" para discutir o projeto. Porém, quando estes processos chegam nesta fase, já são favas contadas. Tudo já está acertado, o dinheiro federal já carimbado. As audiências viram teatro pró-forma em que a cúpula do Ippuc se ocupa de defender o indefensável. E os moradores da região são tratados como "aqueles malas que querem atrapalhar nosso projeto".

Não consigo acreditar que o outrora ousado e criativo Ippuc acredite neste "mais do mesmo", numa política pró-carro irreversível e anacrônica. As razões apresentadas – melhorar o tempo de viagem do transporte coletivo – não convencem. Num dos momentos mais marcantes da última campanha municipal, durante um debate na tevê, o então prefeito Luciano Ducci (PSB) disse que se orgulhava do fato de Curitiba ser a cidade com o maior número de carros por habitante. A frase infeliz gerou comoção. Ao menos naquela parcela do eleitorado que prefere viver ao ar livre numa cidade mais humana, que aprendeu a se orgulhar de sua relação com a natureza. O então candidato Gustavo Fruet (PDT) soube tirar proveito do mau gosto de seu oponente. E pode ter certeza de quem defende hoje o "arquipélago" o ajudou a ganhar por pouco o primeiro turno, virar o segundo e tomar posse de bicicleta.

É duro perceber que Fruet, também morador da região, mudou de opinião e hoje apoie este projeto triste. Neste enredo, faz o papel do diretor que engoliu o apito e faz a bateria atravessar o samba. No carnaval, isto costuma levar a escola para o segundo grupo.

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