
Pesquisadora apaixonada pelo passado do Brasil, a historiadora Mary del Priore fez quase uma dúzia de livros sobre a família imperial brasileira e a história da vida privada no país. Seu último trabalho, O Castelo de Papel, destrincha o casamento da princesa Isabel com Gastão de Orléans, o conde dEu, desmistificando a participação da filha do último imperador na abolição da escravatura.
Como você já tinha feito livros sobre o príncipe Pedro Augusto e a condessa de Barral sua pesquisa sobre Isabel e Gastão estava avançada?
Diria que eu tinha uma grande intimidade com essa família. Eu tinha curiosidade de saber como a família imperial era vista fora do Brasil. Então a minha pesquisa começa pelos arquivos reais de Bruxelas, da monarquia belga, nos quais se encontra uma fartíssima documentação sobre a família Orléans, a família de Gastão. Lá, pude acompanhar toda aquela tergiversação em torno do envio de um príncipe europeu para casar no Brasil.
Você escreve que a princesa Isabel vê o mundo como uma dona de casa e não como uma futura imperatriz. Isso vem do pai, que demonstra reticências em relação ao papel dela?
Tem a ver com a educação que ela teve. O fato de ela ter excessivas aulas não significa que estivesse preparada. Qualquer professor sabe que não adianta só passar muito conteúdo. Podemos remeter à figura de Dom Pedro II, que tinha muitos livros. Mas será que ele lia, será que entendia.
Você ficou com uma impressão negativa dele?
Tenho péssima impressão. Acho que Gilberto Freire acertou ao dar a D. Pedro o cognome de "o imperador cinzento". Ele era capaz de arguir alguém por horas sobre assuntos bobos e julgar moralmente de maneira terrível, quando faltava a ele próprio conteúdo. Tenho a impressão de que conhecia as coisas superficialmente e usava isso para consolidar a imagem de homem culto em uma sociedade primitiva.
Como isso influenciou Isabel?
Isabel fica muito banhada nesse clima doméstico, com uma mãe muito religiosa. A condessa de Barral, que era uma mulher extremamente sofisticada, vai prepará-la para a vida na corte, pensando no casamento com um príncipe europeu. Mas Isabel não dá conta (da vida na corte). Isso fica evidente durante as viagens que o casal fez pela Europa. Isso fará falta para eles no momento do golpe republicano; ela não tem a quem pedir apoio. Eles circulam mal na aristocracia europeia porque não têm dinheiro. Esse é um mito que eu acabo desmontando. Nem ela nem Gastão tinham dinheiro algum e levaram uma vida fútil.
Gastão percebe isso?
Gastão para mim foi uma surpresa. Os livros escolares sempre o pintaram como um bobão. Ele é muito lúcido, vê a República chegar.
D. Pedro II e Isabel parecem ignorar as mudanças e o cenário propício ao fim da monarquia. Eles não reagem nunca?
A grande chave seria uma biografia de D. Pedro II. Quando escrevi O Príncipe Maldito vi evidências de que ele apostava na sucessão do neto (Pedro Augusto, filho da princesa Leopoldina). E agora com este livro sobre Isabel vejo que ele bloqueou o quanto pode a sucessão com a filha. O comportamento hostil, não a aproximando do ministério, não discutindo as questões nacionais com ela, indica isso. Ainda há muito que entender sobre D. Pedro II, aquela infância miserável, sem amor, criado por padres, um casamento infeliz, uma paixão não realizada pela condessa de Barral.
Chama a atenção a grande liberdade de imprensa que você descreve nos anos finais da monarquia.
Este foi um traço valorizado pelos biógrafos do imperador, que admitia uma imprensa que o chamava de "Pedro Banana". Não sei se essa tolerância não se misturava com um sentimento de superioridade. Eu mostro que a República chega não porque todos os brasileiros fossem republicanos, mas porque havia o mesmo sentimento que nós tivemos dez anos atrás quando elegemos Lula pela primeira vez: uma necessidade de mudança muito grande. Os avanços da ciência e as novas religiões convidavam a querer um país sem o ranço monárquico. D. Pedro diz no dia do golpe: "eles vão voltar atrás. Conheço o meu povo." Não conhecia.
As perspectivas para o Brasil não eram promissoras com Isabel?
Ela detestava governar. Era aquele personagem do século 19 para quem o casamento e a família eram a realização absoluta. A luta para engravidar, a espera de um milagre deve ter pesado para que a família se constituísse no seu grande projeto da vida. Ela não tinha um projeto político. Tanto é que [o engenheiro e abolicionista André] Rebouças, após o 13 de Maio, passa para eles um projeto de inserção dos ex-escravos e eles ignoram olimpicamente. Eu diria que Isabel era uma pessoa de costas para o Brasil.
Você se convenceu de que ela e Gastão formavam um casal feliz?
Ela o adorava. As cartinhas apaixonadas revelam uma sensualidade que normalmente não se encontra nesse tipo de documento. E ele aos poucos vai se deixando envolver pelo carinho.





