
"O Karam está escrevendo cada vez melhor", disse-me, sério, um colega após a leitura de Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca, reeditado pela curitibana Arte & Letra.
A constatação absurda como se negasse que o escritor curitibano Manoel Carlos Karam desapareceu de um câncer há mais de cinco anos serve, porém, como uma homenagem válida ao livro relançado.
Afinal, Comendo Bolacha Maria ..., é uma coleção de "espantos". Nos minicontos, micronovelas e monólogos está a prosa "encrencada", inventiva e labiríntica de Karam.
Não é fácil definir esta pequena obra-prima. O domínio da linguagem permite a Karam jogar nas onze posições e ainda atuar como técnico, massagista, cartola e também comentar o jogo das tribunas.
Os personagens são tipos indefinidos: paranoicos, enlouquecidos e fanfarrões que disparam perplexidades e iluminações.
Há o colecionador de nuvens que concede uma entrevista coletiva. Há também o confronto entre um detetive e o delegado que parecem saídos de um desenho animado surrealista noir.
O humor negro e filosófico é perturbador. O escritor Marçal Aquino, na orelha de um dos livros do autor, definiu: "um humor original, diferente, desses que a gente ri e logo depois, para, pensa direito, fica preocupado".
Como no talvez menor conto da literatura mundial: "Circo ? Tem não."
Aquino é apenas um dos escritores contemporâneos relevantes, como Joca Reiners Terron ou o local Luis Felipe Leprevost, que cultuam Karam e o grupo de escritores curitibanos de que ele é parte.
Autores originais, que com cuidados de artesãos, deixaram obras experimentais e provocadoras que ainda não alcançaram o patamar de reconhecimento literário que merecem.
Seja por circunstâncias do mercado editorial, seja por vontade própria, desavenças entre herdeiros ou falta de público interessado. Jamil Snege, Valêncio Xavier e Wilson Bueno (todos já falecidos) são os outros ocupantes desta barca.
Neste ano, algumas efemérides propiciaram que o trabalho de Snege e Valêncio fossem bastante discutidos. A reedição ergonômica, bonita de um dos seus melhores livros foi só Karam que ganhou (e a Arte & Letra promete textos inéditos ainda para este ano).
É Valêncio, aliás, quem assina a orelha do livro. Nela, conta o que a prosa de Karam causou em seu temperamento: após a leitura, ele teria, enfim, dado um chute no rabo de uma pomba rola. Algo que sempre quis fazer, só faltava-lhe a coragem.
Surge mesmo uma sensação de liberdade mental completa como efeito de Comendo Bolacha Maria.... Uma indispensável e bem dada porrada. GGGGG




