
Abbas Kiarostami parece ter desistido de fazer filmes no Irã. Por quatro décadas, o diretor de obras-primas como Gosto de Cereja e Através das Oliveiras, fez de seu país tanto cenário como tema para narrativas sempre instigantes, seja sobre a condição humana, questões políticas ou a respeito do próprio cinema. Mas, com as limitações na liberdade de expressão impostas pelo governo teocrático iraniano, o cineasta, um dos mais relevantes da atualidade, mudou de domicílio. Transferiu-se para a França. Seu primeiro longa nesse exílio voluntário foi o ótimo Cópia Fiel, que deu a Juliette Binoche o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes e foi rodado na Itália, apesar de ser falado em francês.
Um dos homenageados da 36.ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Kiarostami exibe no festival paulista Um Algúem Apaixonado, também feito muito longe das fronteiras de sua terra natal. Rodado em Tóquio, tem elenco japonês e também é falado no idioma dos samurais.
A trama gira em torno de uma trombada amorosa inesperada: uma jovem prostituta (Rin Takanashi) conhece um tradutor idoso (Denden), que acabam enxergando, um no outro, um alento, a possibilidade de conseguirem aplacar a solidão na qual estão imersos. Bem menos ambicioso em termos de narrativa do que muitos dos seus trabalhos anteriores, Kiarostami parece estar mais interessado em contar, de forma direta, essencial, uma história que seja percebida pelo espectador como verdadeira, desprovida de artifícios estilísticos de qualquer ordem.
Essa opção faz com que Um Alguém Apaixonado, em certa medida, seja uma anti love story, por evitar convenções desse gênero cinematográfico: não há exatamente tensão dramática, empecilhos a serem enfrentados, ou superados, e clímaxes que conduzam a um desfecho feliz. Kiarostami prefere mostrar como os personagens, pessoas à deriva, se aproximam e encontram um no outro motivos para serem felizes. Ela quer estabilidade, um porto seguro, e ele, a negação da finitude. O mestre iraniano, no entanto, evita happy ends. Prefere optar pela vida como ela é incerta, vaga e misteriosa.
O jornalista viajou a convite do festival.



