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Um novo filme baseado num romance de John Le Carré destaca o que o escritor de 73 anos, mestre da ficção de espionagem, descreve como as práicas "medonhas" das companhias farmacêuticas na África. O autor de "O espião que saiu do frio" e "A vingança de Smiley" passou da espionagem da Guerra Fria para a África nos tempos atuais para ambientar seu livro de 2000 "O jardineiro fiel" ("The constant gardener"). Será lançado em 26 de agosto, nos Estados Unidos, o filme homônimo dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, que foi indicado ao Oscar por "Cidade de Deus", sobre a violência nas favelas cariocas. O filme é estrelado por Ralph Fiennes e Rachel Weisz e não tem previsão para data de lançamento no Brasil.

Em entrevista concedida à Reuters no fim de semana, Le Carré disse:

- Em "O jardineiro fiel", escrevi sobre o comportamento ultrajante da indústria farmacêutica no Terceiro Mundo, sobre o uso errado de pacientes supostamente consensuais em testes clínicos.

De acordo com o escritor, os grandes conglomerados farmacêuticos estão desenvolvendo drogas "não para curar os doentes, pobres e necessitados do mundo, mas para curar os ricos, ou seja, nós no Ocidente."

- Você talvez interprete isso como percepção radical. Para mim, ela é simplesmente humanista.

O romance segue a trajetória do diplomata britânico Justin Quayle, em Nairóbi, que parte em busca da verdade por trás do assassinato brutal de sua mulher e acaba trazendo à tona uma conspiração mortal envolvendo nao apenas governos cúmplices, mas também as grandes companhias farmacêuticas ("Big pharma").

- Não quero realmente denegrir a indústria farmacêutica - disse Le Carrè, cujo nome real é David Cornwell. - O filme faz isso por mim.

Le Carré, que já foi espião na vida real, disse que usou técnicas que aprendeu nos serviços de inteligência britânicos para fazer as pesquisas preliminares para seu livro.

- Faço o que fazem os espiões e o que fazem os jornalistas: procuro pessoas dos escalões administrativos médios que estejam insatisfeitas e que concordem em falar comigo em "off", conservando seu anonimato. Nunca vou ao primeiro escalaão a não ser que não haja outro jeito. Sei que, se o fizer, vou ouvir muita bobagem.

Numa nota ao final do livro, Le Carré escreveu: "À medida que minha viagem através da selva farmacêutica foi avançando, fui me dando conta de que, comparada à realidade, minha história era tão pacata quanto um cartão postal de férias.

O escritor disse que os governos são hipócritas quando pedem justiça para a África e, ao mesmo tempo, autorizam as exportações de armas ou experimentos com drogas perigosas.

Ele argumentou que as embaixadas no exterior muitas vezes defendem os interesses das grandes empresas, quer isso seja justo ou não. Mas lamentou que o Alto Comissariado Britânico em Nairóbi, mostrado sob ótica pouco elogiosa no filme, tenha se tornado seu "bode expiatório".

Sobre Fernando Meirelles, Le Carré disse:

- É um diretor do Terceiro Mundo que possui uma preocupação humanista muito claramente declarada, algo que ele já demonstrou com "Cidade de Deus".

Nos últimos anos Le Carré vem deixando para trás sua imagem de homem que preza sua privacidade ao manifestar-se publicamente contra a guerra no Iraque. Em 2003, ele escreveu num jornal britânico um artigo de opinião intitulado "Os Estados Unidos da América enlouqueceram".

Nem todos reagiram bem a suas críticas à política de Washington, mas Le Carré não pretende se deixar silenciar.

- Temos notícias virtuais, temos notícias falsas, temos notícias substitutas, o tempo todo. Então um filme como este realmente tem algo a dizer, e, embora seja ficção, é uma declaração irrespondível sobre o comportamento humano no que ele tem de mais lamentável. É nosso dever, como patriotas, preencher a lacuna deixada pela imprensa em função de mentiras, logros e o desprezo pelo público.

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