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Literatura

Leitura de poesias em ônibus é nova ação da Bienal

Até o fim do mês, passageiros de várias linhas de biarticulados terão o caminho preenchido por delicadas leituras de poesias

O saldo das abordagens da mediadora Jéssica Carvalho nos biarticulados tem sido positivo. Leitura privilegia autores que tenham alguma relação com Curitiba | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
O saldo das abordagens da mediadora Jéssica Carvalho nos biarticulados tem sido positivo. Leitura privilegia autores que tenham alguma relação com Curitiba (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)
Jéssica e a passageira Maria Otília.

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Jéssica e a passageira Maria Otília.

Não se surpreenda se, ao longo de outubro, você estiver em um biarticulado e ouvir a seguinte indagação: "Bom dia, posso ler uma poesia para você?". Se a resposta for afirmativa, será possível escutar, por um breve período do caminho, versos de Paulo Leminski, Marcos Prado, entre outros autores. A ação faz parte da Bienal Internacional de Curitiba, que realizará ao longo desse mês várias ações de literatura.

A abordagem é delicada. Ou seja: ninguém vai bradar versos em voz alta, atrapalhando a paz no trajeto. Os mediadores da Bienal se dirigem diretamente à pessoa, e pedem licença para ler.

O estardalhaço não dá certo, conta a mediadora Jéssica Carvalho. Ela já tentou ler em voz alta, mas não teve a atenção de ninguém. Ao levar as palavras somente a uma pessoa, a curiosidade é maior, garante. O que atrapalha mesmo, diz, é o "mau-humor da manhã" de muitos passageiros.

Jéssica inicia a ação às 9 horas, na Praça Rui Barbosa. Logo no começo da jornada, na linha Centenário/Campo Comprido, sentido bairro, um não incisivo abriu os trabalhos. O que prometia ser um dia não tão bom logo foi revertido. No trajeto de pouco mais de 20 minutos, o "placar" foi de seis afirmativas, e somente aquele solitário não.

De início, o passageiro fica receoso, e a pergunta: "é rapidinho?" também é comum. Os mais céticos não creem que tal gentileza não será cobrada no fim. "Muita gente acha que quero dinheiro em troca", fala Jéssica.

A mediadora também percebeu quais são os melhores momentos para ler. No sentido bairro, o passageiro costuma ser mais receptivo. Quando está vindo para o centro ou trabalho, as faces ficam mais sisudas. "As pessoas geralmente querem ficar quietas", acredita Jéssica. Ônibus lotado, porém, é o pior inimigo, pois fica complicado para se locomover e conversar com os usuários. "Às vezes, prefiro esperar ficar menos lotado para seguir viagem."

Depois do desdém da primeira passageira, Jéssica ganhou o dia com a reação da psicóloga Maria Otília. Ao receber o convite, exclamou: "que honra!." Para ela, qualquer tipo de iniciativa que leve um pouco de literatura para as pessoas é válida. "Acho que assim a pessoa pode acabar se interessando em ler." Ficou espantada ao saber que um passageiro negou a leitura. "Alguém recusa poesia?".

O estudante Leandro Medeiros também foi gentil, e retirou os fones de ouvido para escutar as palavras de Leminski, poeta de quem "já tinha ouvido falar", mas não leu. "Me chamou atenção o texto, fala muitas coisas que logo lembram Curitiba."

Cidade

Quando selecionou os poemas para serem lidos nos ônibus, textos que integram a coletânea Fantasma Civil, que será lançada no próximo dia 21, o curador de literatura da Bienal, Ricardo Corona, pensou justamente em textos que lembrem Curitiba. Os autores escolhidos, 42 no total, também são curitibanos ou têm alguma relação com a cidade. "Curitiba é uma cidade mapeada por vários tipos de discurso. E eu queria compartilhar através da poesia uma memória subjetiva."

Ele também pensou em formas de compartilhar esses textos, uma delas, os trajetos de ônibus – são cerca de oito mediadores que realizam nove trajetos nos biarticulados. Para ele, é um encontro de "dois extremos." "A poesia exige um hábito solitário para ser escrita, e o extremo é colocá-la em um lugar muito público, que é o ônibus. É um limite interessante." A estratégia deu certo: na volta, o saldo final foi de nove aceitações para quatro nãos.

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