
Não se surpreenda se, ao longo de outubro, você estiver em um biarticulado e ouvir a seguinte indagação: "Bom dia, posso ler uma poesia para você?". Se a resposta for afirmativa, será possível escutar, por um breve período do caminho, versos de Paulo Leminski, Marcos Prado, entre outros autores. A ação faz parte da Bienal Internacional de Curitiba, que realizará ao longo desse mês várias ações de literatura.
A abordagem é delicada. Ou seja: ninguém vai bradar versos em voz alta, atrapalhando a paz no trajeto. Os mediadores da Bienal se dirigem diretamente à pessoa, e pedem licença para ler.
O estardalhaço não dá certo, conta a mediadora Jéssica Carvalho. Ela já tentou ler em voz alta, mas não teve a atenção de ninguém. Ao levar as palavras somente a uma pessoa, a curiosidade é maior, garante. O que atrapalha mesmo, diz, é o "mau-humor da manhã" de muitos passageiros.
Jéssica inicia a ação às 9 horas, na Praça Rui Barbosa. Logo no começo da jornada, na linha Centenário/Campo Comprido, sentido bairro, um não incisivo abriu os trabalhos. O que prometia ser um dia não tão bom logo foi revertido. No trajeto de pouco mais de 20 minutos, o "placar" foi de seis afirmativas, e somente aquele solitário não.
De início, o passageiro fica receoso, e a pergunta: "é rapidinho?" também é comum. Os mais céticos não creem que tal gentileza não será cobrada no fim. "Muita gente acha que quero dinheiro em troca", fala Jéssica.
A mediadora também percebeu quais são os melhores momentos para ler. No sentido bairro, o passageiro costuma ser mais receptivo. Quando está vindo para o centro ou trabalho, as faces ficam mais sisudas. "As pessoas geralmente querem ficar quietas", acredita Jéssica. Ônibus lotado, porém, é o pior inimigo, pois fica complicado para se locomover e conversar com os usuários. "Às vezes, prefiro esperar ficar menos lotado para seguir viagem."
Depois do desdém da primeira passageira, Jéssica ganhou o dia com a reação da psicóloga Maria Otília. Ao receber o convite, exclamou: "que honra!." Para ela, qualquer tipo de iniciativa que leve um pouco de literatura para as pessoas é válida. "Acho que assim a pessoa pode acabar se interessando em ler." Ficou espantada ao saber que um passageiro negou a leitura. "Alguém recusa poesia?".
O estudante Leandro Medeiros também foi gentil, e retirou os fones de ouvido para escutar as palavras de Leminski, poeta de quem "já tinha ouvido falar", mas não leu. "Me chamou atenção o texto, fala muitas coisas que logo lembram Curitiba."
Cidade
Quando selecionou os poemas para serem lidos nos ônibus, textos que integram a coletânea Fantasma Civil, que será lançada no próximo dia 21, o curador de literatura da Bienal, Ricardo Corona, pensou justamente em textos que lembrem Curitiba. Os autores escolhidos, 42 no total, também são curitibanos ou têm alguma relação com a cidade. "Curitiba é uma cidade mapeada por vários tipos de discurso. E eu queria compartilhar através da poesia uma memória subjetiva."
Ele também pensou em formas de compartilhar esses textos, uma delas, os trajetos de ônibus são cerca de oito mediadores que realizam nove trajetos nos biarticulados. Para ele, é um encontro de "dois extremos." "A poesia exige um hábito solitário para ser escrita, e o extremo é colocá-la em um lugar muito público, que é o ônibus. É um limite interessante." A estratégia deu certo: na volta, o saldo final foi de nove aceitações para quatro nãos.




