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| Foto: Lucas Costa/Divulgação

Tinha um pé atrás com Luiz Felipe Leprevost, o artista. Porque ele tenta ser muitos, talvez. Dramaturgoatormúsicocompositorescritor. Quem sabe porque publica o que escreve de bate pronto, no Facebook – "abertas cortinas da manhã o café, 9 horas. num pulo é Floripa neste fora de temporada frutos do mar" – quando a arte, às vezes, precisa de repouso. Aliás, foi Bob Dylan quem disse que, primeiro, é preciso viver uma canção para só depois criá-la. A receita poderia se aplicar às letras. O uruguaio Horacio Quiroga, em seu Decálogo do Contista, ensina: "Não escreva sob emoção. Deixe-a morrer, e depois a evoque. Se fores capazes de revivê-la, terás chegado à metade do caminho." Nesse sentido, então, seria uma arte menos espontânea do que a exercitada pelo múltiplo sujeito.

O pé atrás deu dois passos à frente no começo do mês, em um show no James Bar. No palco, eram Leprevost e um maestro chamado Eugênio Fim, que pilotava o computador e debulhava a guitarra. Flashback: acompanhei a apresentação do ator-músico-escritor na Virada Cultural do ano passado. Em um grande palco na Rua XV, Leprevost foi pseudo-coroado. Para mim, que estava longe, bem verdade, foi um show estranhíssimo. Sobravam perdigotos e Letícias Sabatellas quando faltava coerência. É o que diz minha memória bruxuleante, ao menos. Volta.

Foi diferente no último encontro. A plateia era pequena, o palco mais intimista – tudo proporcional, enfim – e Leprevost, não à toa, parecia cheio de gana. Estava pintado de vermelho, pronto para a guerra. Poeta, segurava um caderninho com as letras de suas músicas. Ao meu lado, dois sujeitos espinafravam-no, dizendo que era uma imitação xing ling de Leminski. Mas andamos meio de saco cheio de argumentações vazias e retóricas.

Naquela noite, com tinta escorrendo pelo pescoço e grandes óculos na cara rechonchuda, ele se transformou em algo maior do que pretendia ao cantar e esbaforir em "Aquela Menina". Em "Solitária", fez jovens tirarem seus iPhones para registrar o que acontecia no palco. Foi pop e rapper. Tudo com um quê de deboche e outro de fígado. Até que ficasse sem voz.

Seu grande feito tem sido emular uma espécie de oasis humano para um punhado de artistas locais – a dita panelinha, que para ele é comunhão. É um porto-seguro, e tem ótimas intenções – "não sou intelectual", me disse. Seu maior trunfo, naquela noite, foi superar o risco do ridículo – que pode sugerir tanto comparações equivocadas quanto idolatria instantânea. Na vida de um artista, em geral, convivem duas pessoas: uma que vive e outra que crê. Leprevost criou uma entidade só naquelas quase duas horas.

Vivemos tempos de "joguetes", e a sensação de ter presenciado algo visceral – ainda que sob uma nuvenzinha de antipatia gratuita que cria chatos e surdos – é como um "olha aqui!" na orelha daqueles que acreditam ingenuamente que cinismo é sinônimo de inteligência. Pois estamos cercados de um ensimesmamento tolo, que denuncia a séria patologia coletiva de idolatria da própria pequenez. Sorte nossa: algumas pequenezas são maiores que outras.

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