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Capa do livro: escrito no fervilhante ambiente cultural vanguardista europeu | /Divulgação
Capa do livro: escrito no fervilhante ambiente cultural vanguardista europeu| Foto: /Divulgação

“O Supermacho”, quem diria, renasceu numa padaria. Certo dia, a editora Florencia Ferrari passava pela Aracaju, uma padoca de São Paulo, quando encontrou por acaso o amigo Julian Boal, filho do saudoso dramaturgo Augusto Boal. Contou para ele que abriria a própria editora em breve, já que aquela em que trabalhava, a Cosac Naify, tinha fechado. Na fila do pão, Julian comentou que havia um romance já esgotado que ele gostaria muito que fosse reeditado no Brasil: “Sûrmale”, do dramaturgo francês Alfred Jarry, escrito em 1902 no fervilhante ambiente cultural vanguardista europeu.

Chegando em casa, Florencia deixou as baguetes de lado e começou a pesquisar mais. Ficou encantada.

“O livro fala de uma questão universal que é a superação do homem por ele mesmo e pela máquina, e o “supermacho” é um homem que pode fazer amor indefinidamente. A escrita literária dele é fluida, irreverente, irônica e transmite o frescor do jovem autor, tratando de amor, sexo e um imaginário futurista, com um humor totalmente atual. Depois descobri que havia uma tradução do texto feita pelo Paulo Leminski nos anos 80 e um posfácio feito pelo (filósofo italiano) Giorgio Agamben”, conta ela, que usou o material na edição caprichada que chega esta semana às livrarias.

O ponto de partida do livro é provocativo: um sujeito, André Marcueil, sentado a uma mesa de jantar com várias pessoas, solta uma frase desconcertante.

“Fazer amor é um ato sem importância, já que se pode repeti-lo indefinidamente”.

O jantar é servido em um castelo, e os convidados pertencem à alta classe francesa: um químico, um engenheiro, um general, um senador, um construtor de aviões, um cardeal, uma atriz e uma baronesa.

‘‘O Supermacho’‘

Autor: Alfred Jarry

Editora: Ubu.

Páginas: 176

Quanto: R$ 49,90

Leia um trecho do livro

Logo o grupo começa a discutir sobre as possibilidades reais de o homem fazer amor repetidamente, libidinosamente, irresponsavelmente, como um “supermacho”. Cada um palpita com o seu repertório: o químico discorre sobre as possibilidades do corpo em tal desafio, se bem alimentado; o construtor de aviões lembra que é possível criar mecanismos que ajudem o ser humano no esforço; o doutor cita os enganos do álcool na aventura.

Os diálogos divertidíssimos evocam uma encenação que só falta pular do livro e são recheados de citações literárias em que personagens de fato fizeram muito amor (como em “As mil e uma noites”). Ambientado nas entranhas das vanguardas do século XX, o romance vai apresentando o curioso perfil e os conflitos de Marcueil, homem que fora amamentado por uma cabra na infância e tinha o órgão genital muito desenvolvido - o capítulo que descreve como ele foi percebendo que era “diferente” é impagável.

A conversa rende tanto que os comensais decidem partir numa alucinada corrida de bicicleta, e o que acontece poderia justificar todo o surrealismo, vanguarda certamente influenciada pelas obras de Jarry.

Pescando no Sena com um revólver no bolso

Inventor da “patafísica”, espécie de ciência das soluções imaginárias que justificava seus livros e peças - entre elas, a clássica “Ubu Rei’‘, que influenciou o nome da própria editora -, o dramaturgo Alfred Jarry foi precursor das práticas teatrais mais inventivas do século XX.

Era um sujeito peculiar: pescava seu almoço no Rio Sena, bebia absinto até cair, estudava heráldica horas a fio, andava com um revólver no bolso, que usava para acender o cigarro (arma que seria comprada por Picasso, que a guardava como relíquia), e só andava de bicicleta.

“O Jarry foi um escritor, dramaturgo e poeta que influenciou muita gente do meio das artes, da literatura e do teatro. Sua escrita é altamente inventiva e imagética, com uma liberdade que dá gosto. Seus textos se prestam especialmente a ilustrações. Levamos ao Andrés, que ficou fascinado pelo universo do autor, pesquisou referências da época e se divertiu produzindo corpos-máquinas com seus carimbos”, detalha Florencia.

Com uma coleção de fãs que inclui André Breton, Gilles Deleuze e Paulo Leminski no Brasil, que traduziu a primeira edição da obra no país, em 1985, o romance ainda é pouco conhecido.

“Jarry é um escritor que, por essência, resiste ao establishment. Não à toa, seus fãs são, como ele, em certo sentido marginais. Talvez tenha faltado um ambiente, estamos tentando produzi-lo...”

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