
Ninguém sabe quando e como o escritor e jornalista americano Ambrose Bierce (1842-?) morreu.
Bierce foi visto pela última vez no dia 26 de dezembro de 1916, quando se preparava para cobrir a fase final da revolução mexicana (1910-1917).
Sabemos, no entanto, que durante 25 anos, mais precisamente entre 1881 e 1906, ele se dedicou a escrever sobre a vida e a humanidade em geral de forma herética, rabugenta e misantropa.
Ao longo dos anos, escreveu e publicou nos jornais em que trabalhou os mais de 900 verbetes de seu “Dicionário do Diabo” que a editora Carambaia lança em versão completa no Brasil.
Com tradução do jornalista e colunista da Gazeta do Povo Rogério Galindo, o livro reúne pela primeira vez os poemas e pequenos contos que Bierce criou para ilustrar alguns dos verbetes.
Nenhuma das duas traduções brasileiras anteriores trazia o livro completo, assim como foi pensado por seu autor.
O livro de Bierce é menos um dicionário do que um documento criado por sua filosofia pessoal pessimista para expor a frágil moralidade do homem.
Nas definições criadas por Bierce a família, as instituições e religiões são igualmente atacadas com sarcasmo e crueza.
Como observa Galindo no texto de apresentação, a obra é “um libelo contra a soberba humana, contra as nossas pretensões”.
Para Galindo, Bierce tem o espírito rebelde, contestador e um pouco cínico dos intelectuais americanos de seu tempo como H.L Menken (1880-1956) Ou George S. Kaufman (1889-1961).
“Bierce era um dos mais radicais. Não se limitava ao alvo fácil; batia no opressor e no oprimido, no grande e no pequeno. Quanto maior o tabu a respeito de um tema, maior a irreverência”.
Bierce, de fato, não presta reverência. Critica todas as culturas, principalmente a dos Estados Unidos que conhece de dentro. Todas as religiões, mas com ênfase no cristianismo que predominava à época e ironiza todas as profissões, especialmente às próprias, de jornalista e escritor.
Como definiu o crítico inglês Tom Hodgkinson, o livro escrito um século antes do “politicamente correto” é “um bem-vindo antídoto para esses livros de autoajuda simplista sobre pensamento positivo e como melhorar sua vida, que geralmente têm o efeito oposto”.
Para Hodgkinson, o “Dicionário do Diabo” é é tão relevante como era há 100 anos. Talvez ainda mais, pois as instituições amorais e os canalhas violentamente satirizados por Bierce “melhoraram com o tempo e ficaram mais amorais e mais canalhas”.
Domínio Público
Fundada em 2015, a editora Carambaia tem como proposta trazer livros importantes da literatura, em sua maioria obras que já estão em domínio ou que não estão mais em catálogo no país, sempre com um projeto gráfico exclusivo. Algumas obras já lançadas neste formato são “Viagem com um burro pelas Cevenas”, de Robert Louis Stevenson (1850-1894) e “Memórias de um Empregado”, de Federigo Tozzi (1883-1920).



