
“Por que uma bobagem como essa durou 75 anos?”. É com esse compromisso com a realidade que o crítico de quadrinhos e de cinema Glen Weldon aborda o universo do homem-de-aço em seu livro “Superman – Uma Biografia Não Autorizada”, publicado no Brasil pela editora Leya. Com a minúcia de um historiador acompanhado do comentário habitual de crítico, Weldon revisita a criação e a evolução do super-herói mais icônico do mundo, ora dando excessiva importância a um processo tresloucado e coletivo de redatores que tateavam um caminho ainda inexplorado, ora aceitando o fato de que o objetivo de tudo isso é mesmo vender revistinhas e brinquedos para crianças.
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De sua aparição na revista Action Comics em 1938 até Superman: the Man of Steel, longa de 2013 dirigido por Zack Snyder, passando por episódios bizarros, como o musical da Brodway It’s a Bird... It’s a Plane... It’s Superman, de 1975, tem-se a impressão de que Super-Homem é um desses personagens que já nascem mitológicos e que por essa mesma razão, tal qual Jesus Cristo, já foi símbolo de uma porção de coisas e representado à exaustão na indústria cultural.
Metamorfose ambulante
Mais do que isso, Super-Homem é um personagem que se modifica conforme a época e as circunstâncias. É durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, que o herói deixa de assumir a frente das batalhas para ser o apoiador das tropas americanas. De personalidade explosiva e perigosa – ameaçava grandes empresários que exploravam o trabalhador – passa a defender o status quo quando a empresa de cereal Kellogs patrocina seu programa de rádio e “sugere” modificações moralizantes, transformando o super-herói em super-cidadão.
Sua aparência também sofre transformações ao longo do tempo e ao sabor dos editores dos quadrinhos, que buscam cada um deixar sua própria marca no homem-de-aço. Bem distante da criação original de Jerry Siegel e Joe Shuster, observamos Weldon descrever como o personagem ganhou e perdeu músculos ao longo das décadas, apresentou mudanças em seu uniforme e tem sua própria compleição modificada: ora mais testa, ora mais queixo, algumas vezes os dois. O autor também parece muito incomodado com os três anos do início da década de 90 em que Super-Homem deixou crescer um anacrônico mullet.
Guia cronológico
Para o leitor que já tem o Super-Homem como uma paixão infantil que o acompanha vida adulta a dentro, Superman – Uma Biografia Não Autorizada serve como um bom guia cronológico do herói. A primeira aparição de Lex Luthor, Bizarro, Brainiac, Lois Lane e Jor-El, todos os personagens significativos de sua mitologia estão detalhados em acontecimentos ao longo dos 75 anos estudados pelo autor. Já quem acha o Super-Homem uma completa bobagem, o livro ainda assim ilustra bem os altos e baixos de uma criação multimídia que muda conforme o vento, sendo portanto uma lição de empreendedorismo e arte popular em tempos de indústria cultural. Por fim, pode-se desconsiderar o livro, mas não seu objeto. Super-Homem é um indelével ícone cultural que conquistou uma onipresença messiânica por não ser o herói com quem o leitor se identifica, mas em quem ele deposita suas esperanças. Seja ele um musculoso de mullet ou não, todos têm dentro de si o seu próprio conceito de Super-Homem.
Falhas
Podemos concordar que, enquanto trabalho, Glen Weldon fez de tudo para fazer de seu livro o mais completo possível. Fora de sua alçada, porém, Superman – Uma Biografia Não Autorizada peca por suas ausências. A começar pela parte do “não autorizada”. Um livro de 400 páginas sobre um símbolo imagético que não contem uma única imagem do objeto estudado – nem mesmo na capa – é o sinal de uma guerra perdida contra os direitos autorais. Isso faz com que Weldon gaste boa parte de seu relato a descrever histórias do Super-Homem quadro a quadro.
Por não ser pioneiro no assunto, o crítico também entende que o livro carece de leituras complementares, como um livro que trata da vida e das batalhas judiciais dos criadores do herói e outro que trata de sua editora, a DC, e de como eles venderam os direitos de seu maior tesouro por um punhado de dólares. No que tange a edição brasileira, erros grosseiros de tradução não passam despercebidos, principalmente quando a tradutora opta por colocar alguns termos em inglês e logo depois sua tradução desencontrada.



