
Matilde Campilho caminha pelas ruas do Rio de Janeiro e Lisboa como se elas fossem adjacentes. Nascida na capital portuguesa, viveu entre 2010 e 2013 no Rio. Ficaria somente alguns meses. Adiou a passagem três vezes. E se estabeleceu.
Pode-se dizer que o tempo em que ficou na cidade de Ana Cristina Cesar deixou marcas em sua escrita. A poeta abrasileirou-se. Adotou o gerúndio. Não está mais “a escrever”, está “escrevendo”. “É verão no Rio de Janeiro/Daqui deste balde revirado/dá para ver a felicidade/desabando sobre as cabeças”.
Em “Jóquei”, seu primeiro livro, a escritora demonstra instantes e constrói memórias. Persegue bombeiros no Brooklyn; descreve Lisboa dentro de mulheres; está na Praia de Botafogo e Ipanema; vê uma menina desenhando uma estrela na palma da mão. Escreve sobre a torcida do Flamengo, mas também trata de amor.
“Os garçons empilhando as cadeiras/você me olhando e me pedindo que Fale Por Favor Não Escreva/eu evitando o toque ruim dos ponteiros/do relógio que anuncia a já famosa fuga/de nossos corpos cada um para a sua/ponta da cidade”. São nesses constantes desvios que Matilde compõe. São nesses constantes desvios que ela consegue se revelar. Uma escritora que se molda em transições.
Ela observa lugares e os eterniza. Gosta de gente. Talvez por isso prefira escrever em cafés, ruas, jardins e hotéis do que em ambientes sem algo que se possa notar. “É necessário assistir aos acontecimentos mínimos do mundo para poder escrever”, contou em entrevista à revista Pessoa.
Antes da estreia em livro, já era conhecida pelos vídeopoemas que fazia na internet. Começou a produzi-los quando morava no Brasil como meio de se corresponder com pessoas que se encontravam distantes. Feitos em prosa poética, têm uma beleza desconcertante. Imaginam-se as coisas ditas e remontam-se espaços descritos por ela. Como num vídeo em que celebra a chegada do verão no Rio de Janeiro. “Às vezes ainda acho que vivo num filme/que é tudo uma cinematografia um pouco estapafúrdia”.
Matilde Campilho nasceu em dois lugares. E, com seu espírito nômade, logo pode nascer em outro. Aos 32 anos, colocá-la ao lado de escritores como Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares e José Eduardo Agualusa – alguns dos responsáveis pela renovação da escrita em Portugal – é no mínimo interessante. E não menos desafiador.
Flip 2015
Matilde Campilho estará na Festa Literária de Paraty (Flip), um dos principais eventos literários do país, que ocorre entre os dias 1º e 5 de julho, na cidade histórica de Paraty, no Rio de Janeiro. A escritora vai participar, ao lado do poeta Mariano Marovatto, da mesa de debate sobre as novas rotas da poesia em língua portuguesa.



