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Horst (no destaque, em amarelo), nos tempos de colégio, em Berlim, em 1940 | /Arquivo Pessoal
Horst (no destaque, em amarelo), nos tempos de colégio, em Berlim, em 1940| Foto: /Arquivo Pessoal

O curitibano Horst Brenke (nasceu pelas mãos da avó, na casa da família, em Curitiba) foi uma dessas pessoas sobre quem o azar exerce influência extraordinária. Filho de pais alemães (Richard e Margarete Brenke, que se conheceram em Düsseldorf, em 1920), Horst teve uma visita à família em Berlim completamente arruinada quando saiu para comprar pão e acabou sendo recrutado à força pelo exército nazista em um dia de maio de 1945. Era o fim da Segunda Guerra Mundial, e as forças de um Hitler já morto minguavam sob a força dos soviéticos, que marchavam para tomar a capital alemã. A tropa de Brenke rumava para o Oeste afim de encontrar o 12º Exército alemão e juntar uma força maior a fim de fazer frente aos homens de Stalin. 

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Não chegaram muito longe. Brenke foi capturado em Halbe, a pouco menos de 60 quilômetros de Berlim, pela tropa do temido comandante Ivan Konev. Foi transferido para um campo de prisioneiros em Vladimir, na Rússia, e viveu um ano e três meses como prisioneiro de guerra sem ter dado um único tiro. Tinha menos de vinte anos.

A história real, que tem ares de comédia de erros, foi relatada pelo jornalista Tarcísio Badaró no livro ‘Era um Garoto – O Soldado Brasileiro de Hitler’, publicado pela Editora Vestígio. A partir de uma namorada, Badaró teve acesso ao diário que Brenke manteve em seu tempo de “woina plenni”, ou prisioneiro de guerra, como era chamado pelos russos,e que permaneceu inédito desde então. 

As anotações nunca tinham sido lidas por familiares, e, conforme conta o jornalista na segunda parte do livro, o soldado acidental teve a felicidade de relatar algumas partes em detalhes em seu surrado caderninho de setenta e seis páginas. O resto da apuração ficou por conta de relatos de amigos e familiares, além de documentos oficiais duramente conseguidos em meio a arquivos negligenciados em tempos de guerra, que permitiram remontar parte da genealogia da família do soldado

É assim, portanto, que o autor conseguiu descrever o momento da captura de Brenke em Halbe e sua vida dura como prisioneiro em Vladimir, onde não era raro que companheiros perecessem vítimas de doenças, desnutrição ou maus-tratos. Ao mesmo tempo, o livro relata a vida das mulheres que ficaram em casa enquanto a catástrofe tomava conta de Berlim. 

Centrados em Maria do Carmo, ou Nenê, a irmã mais nova de Horst e a única personagem do livro com quem o jornalista teve contato, os capítulos demonstram a dificuldade civil durante os últimos dias de guerra. Escassez de alimentos, tumultos, saques e invasões eram comuns em uma Alemanha devastada pela guerra e pela desilusão política com o partido que prometera tanto e que acabara por dizimar a população masculina em uma guerra sanguinolenta.

Como livro-reportagem, o trabalho de Tarcísio Badaró se beneficia do anonimato de seu objeto. O futuro de Brenke é incerto para o leitor, de maneira que Era um Garoto ganha o suspense de uma narrativa de guerra sem que seja necessário, contudo, ficcionalizá-la. Ao autor, coube o trabalho de, em suas próprias palavras, “jogar luz” sobre os fatos, ou seja, abrilhantar os acontecimentos diante de uma escrita mais trabalhada. 

Por outro lado, a documentação esparsa e as pouquíssimas fontes vivas fazem com que o livro careça de muitas respostas que ficarão para sempre em aberto, como o porquê da viagem da família Brenke a Alemanha, por exemplo. 

No fim, Era um Garoto ganha força por trazer ao público uma história incrível sobre um brasileiro que virou nazista por acaso, colocando mais uma peça no grande mosaico de histórias extraordinárias e desconhecidas que um período caótico como a Segunda Guerra Mundial pode guardar.

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