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LITERATURA

Romance de Nei Lopes lembra um samba de breque

Livro histórico recria com humor e pesquisa um momento forte da afirmação da cultura negra no Brasil

Nei Lopes escreve prosa com verve, picardia e humor. | Divulgação
Nei Lopes escreve prosa com verve, picardia e humor. (Foto: Divulgação)

Seis décadas depois do fim da escravidão no Brasil (a Lei Áurea é de 13 de maio de 1888), a década de 1950 foi um momento de virada na cultura afro-brasileira.

Foi o tempo em que Zizinho descalçou suas chuteiras e Pelé calçou as dele; e surgiu o Teatro Experimental do Negro.

Foi assinada a Lei Afonso Arinos a primeira norma contra o racismo no Brasil e estreou a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes só com personagens negros.

Uma geração de músicos como Paulo Moura, Moacir Santos, Johnny Alf e Leny Andrade despontou e o samba se tornou protagonista nos musicais das boates.

As religiões de matriz africana se expandiram e foi fundado, pela classe média negra do Rio de Janeiro, o Clube Renascença.

Há ainda muitas outras conquistas. Quem as constata é o escritor, historiador e compositor Nei Lopes.

“Foi muita coisa! Me incomoda muito as pessoas desconhecerem o que se passou nesse tempo. E é sempre bom chamar a atenção”, explica Lopes.

A maneira que o escritor usou para fazê-lo é o romance Rio Negro, 50, que chegou neste mês às livrarias.

Com viés histórico, o livro tem como cenário o Rio de Janeiros dos anos 50, em plena afirmação do negro na sociedade.

A trama parte da investigação de um crime – um linchamento com altas doses de racismo.

Seus desdobramentos comportam várias histórias que se desenrolam e se entrelaçam nas mesas de dois bares do centro do Rio de Janeiro: o Café e Bar Rio Negro, epicentro da vida intelectual dos “homens de cor” na Capital da República. E a do bar Abará, apelidado “colored”, bar frequentado pelo pessoal das boates, do samba e do futebol.

O texto tem uma estrutura peculiar: a narrativa é muitas vezes interrompida para que em interlocução direta com o leitor, sejam feitas observações sobre história, cultura e costumes afroamericanos. Nisso o texto lembra um samba de breque.

“Eu não tinha observado isso. Mas pode ser, sim. O samba de breque é um estilo narrativo, antes de tudo; estilo aliás de que eu gosto muito”, diz o escritor.

Neste microcosmo da mesa do bar, Lopes mistura personagens reais (como Dolores Duran e Abdias Nascimento) e há uma rede muito interessante por ele criada.

Os protagonistas são negros algo incomuns na literatura brasileira. Além disso, eles têm grande consciência de sua história e tradições e são ”metidos” como o autor gosta de dizer: se vestem bem, são vaidosos e não aceitam a posição que a estrutura social impõe.

“É a resistência pela elegância”, afirma Lopes. “Acho que uma dose de ironia sempre cai bem. Eu que estudei latim gosto do dito “ridendo castigat mores” [com o riso, fustiga-se melhor os costumes].”

A prosa de Nei Lopes é mesmo cheia de verve, picardia e humor, apesar de tratar de temas pesados, numa estratégia premeditada do autor.

“Falar de racismo, exclusão social e etc. com a cara amarrada e punho cerrado afasta a audiência e os possíveis interlocutores”, diz.

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