
Editado no Brasil sete anos depois de seu premiado lançamento na França, o romance policial “Zulu” reserva suas linhas mais pesadas logo para o início. O autor, Caryl Férey – francês criado na Inglaterra – apresenta os traumas da formação da democracia na África do Sul por meio de seu substrato mais bestial: é a história de Ali Neuman, chefe da polícia criminal da Cidade do Cabo, sobrevivente de um dos conflitos tribais de violência extrema que marcaram os bantustões – territórios destinados à população negra durante o apartheid.
Os graves problemas sociais perpetuados pelo passado violento do país e sua vulnerabilidade no tabuleiro do capitalismo global são o pano de fundo para o enredo tramado por Férey. O autor fez a lição de casa e construiu um cenário consistente – mais convincente, até, do que a lógica da trama, que acaba revelando um sabor um tanto familiar, quase caricato de gêneros policiais que investem em grandes conspirações.
Ate lá, no entanto, Férey apresenta uma narrativa elegante, pontuada por pequenos flertes poéticos e belos insights, e marcada por uma crueza eficiente na linguagem – tanto para as passagens que revelam os sentimentos mais íntimos quanto para as de violência mais sórdida e chocante.
Ao lado do tenente Brian Epkeen – agente de vida pessoal conturbada – e do jovem e delicado Dan Fletcher, Neuman começa a investigar o assassinato de uma jovem da elite branca, filha de um herói nacional do rugby, em plena época de preparativos publicitários para a Copa do Mundo na África do Sul.
O homicídio envolve um rito estranho e uma droga desconhecida. O tráfico é a porta de entrada em um labirinto criminoso que vai se mostrando cada vez mais extenso e intrincado, e o trabalho de Férey perfaz pacientemente este caminho. A tormenta pessoal de cada personagem, no entanto, gera subnarrativas que acabam mostrando o melhor do autor – que venceu, com “Zulu”, os principais prêmios do gênero na França.



