
Logo em seu primeiro trabalho, o livro reportagem O Livro Amarelo do Terminal, que disseca o cotidiano da Rodoviária do Tietê, em São Paulo, a cronista e escritora Vanessa Barbara ganhou o Jabuti, um dos principais prêmios de literatura do país. Desde então, ela preferiu se dedicar à ficção. Mas em seu último romance, Noites de Alface, é perceptível como a observação minuciosa, essencial para uma boa reportagem, a influencia também na ficção.
O cotidiano cheio de minúcias de um casal junto há 50 anos, Otto e Ada, com seus poucos passeios, experimentações na cozinha e convivência com os vizinhos é o tema do livro. O antissocial Otto fica viúvo, sem Ada e sem as disputas de pingue-pongue e a couve-flor à milanesa que ela fazia. Permeia a história, ainda, a vizinhança exótica: uma datilógrafa, um farmacêutico jovem viciado em bulas e nos efeitos colaterais dos remédios, uma família escandalosa, um jovem casal, um ex-soldado de guerra com Alzheimer e um carteiro nada eficiente. Até o trio de cachorros de uma das vizinhas ganhou um capítulo, divertidíssimo, diga-se de passagem.
Apesar de tratar de temas fortes como perda, luto, e da aparente trivialidade da convivência e do vazio da vida, o livro tem muito humor. O que é, aliás, uma característica forte do trabalho da escritora desde o seu primeiro livro: há humor, sem ser "forçado." Apareceu naturalmente, contou a escritora em entrevista à Gazeta do Povo por e-mail. "O humor não deve ser nunca algo à parte, que se faz calculadamente para dar um brilho à narrativa. Mas, pelo contrário, algo que está sempre lá, como uma forma de ver o mundo. Acho importante sempre ver as coisas por essa lente do inusitado, e encontrar graça e leveza até nas coisas mais graves."
Vanessa conta que é difícil apontar o que a inspirou para construir seus personagens. Foi uma mistura de tudo o que vê em volta. "Desde pessoas de verdade a personagens de livros e filmes. Usei também coisas da minha vida e fui misturando tudo, de modo que tem um pouco de mim no Otto, um pouco de mim na Ada, um pouco dos meus pais, dos meus avós, dos meus vizinhos."
Detalhes
Algo que confere unidade ao trabalho de Vanessa, além do humor, são os detalhes do cotidiano. Coisas que ela chama de "miúdas", imperceptíveis para muitos, e que, às vezes, servem para "definir as pessoas", diz acreditar a escritora. O seu talento para observação, porém, será usado somente para a ficção e para as suas crônicas (ela é uma das colunistas do jornal Folha de S. Paulo), pois Vanessa afirma não pretender fazer um livro reportagem novamente. "Sou muito tímida e acho muito sofrido fazer reportagem. Ainda assim, de vez em quando, ainda me aventuro em alguma matéria que acho interessante. Gosto mais é de me dedicar à crônica, que é um meio-termo entre jornalismo e ficção, que geralmente requer mais observação do que interação." GGGG




