
O romance inédito que o cineasta Charles Chaplin (1889-1977) escreveu como argumento de seu último filme, Luzes da Ribalta, lançado em 1952, é finalmente publicado no Brasil.
O longa é o testamento artístico de Chaplin. A ideia da trama lhe surgiu após a notícia de que o mítico bailarino russo Vaslav Nijinsky (1890-1950) iria se aposentar após ser diagnosticado com esquizofrenia.
Chaplin mesmo vivia o drama da decadência física e artística. Quando o filme foi lançado, o britânico era sinônimo de passado e obsolência na era das estrelas de Hollywood. Sentia na carne o pesadelo de ter perdido seu público. A ideia do filme, no entanto, tinha surgido muito anos antes.
No lugar de escrever um roteiro de cinema, Chaplin bolou um argumento que é um verdadeiro romance de 34 mil palavras, complementada por uma "biografia" de outras cinco mil narrando a vida do protagonista Calvero, um palhaço velho, decadente e bêbado, e seu amor platônico e impossível por Thereza, uma jovem bailarina suicida.
O texto da pequena novela, fonte principal do roteiro escrito por Chaplin, se manteve inédito por mais de seis décadas no arquivo pessoal do autor, até ser descoberto e editado por David Robinson crítico inglês e biógrafo oficial do artista.
Esta versão hoje publicada está exposta, restaurada, na Cinemateca de Bolonha.
A edição é ilustrada por dezenas de reproduções de documentos e fotografias inéditos do Charles Chaplin Archive, inclui um famoso ensaio de Robinson sobre a criação do romance e do filme e traça um panorama sobre o ambiente cultural da Londres de 1914, onde criador do "Carlitos" se formou.
"Este material investiga a realidade documental do mundo que Chaplin recriou a partir de suas memórias e imortalizou para o futuro Londres e o teatro de revista no fim de uma era, o início da Primeira Guerra Mundial", escreveu Robinson.
Estilo
O texto de Chaplin, segundo Robinson, mostra um narrador em pleno domínio dos diálogos, do espaço e do tempo da ficção longa.
Boa parte das falas da prosa escrita pelo cineasta foi mantida no roteiro. A versão original do argumento, que hoje está exposta na Cinemateca de Bolonha, na Itália, permite que os cinéfilos e estudiosos compreendam as inúmeras sutilezas e simbologias que permeiam o longa-metragem.
Segundo o biógrafo Robinson, o estilo literário de Chaplin consegue, sem advertência, variar entre o coloquial ousado e descrições imagéticas deslumbrantes.
Para ele, o filme, o romance, o roteiro e a trilha sonora de Luzes da Ribalta são o auge criativo do diretor que acumulou na produção oito funções: foi diretor, produtor, financiador, roteirista, músico, cinematógrafo, regente de orquestra e ator.
Luzes da Ribalta só foi lançado nos Estados Unidos em 1972. Este fato tornou possível que concorresse ao Oscar em 1973. Foi o ano em que O Poderoso Chefão venceu o prêmio de melhor filme.Luzes da Ribalta também foi indicado em quatro categorias, tendo vencido, inclusive, o prêmio de melhor trilha sonora.
Filme foi adeus de Chaplin à indústria do cinema
Luzes da Ribalta foi o adeus de Charles Chaplin a Hollywood. A sessão de lançamento, no dia 2 de agosto de 1952, em Londres, contou com a presença de astros como Humphrey Bogart e o produtor David Selznick e outras celebridades de então. Talvez, nem Chaplin, nem nenhum dos convidados, tivesse ideia do que aconteceria seis semanas depois: o astro zarpou para a Europa sem saber que se despedia de seu público e do país que o acolheu até receber o Oscar pelo conjunto de sua obra, em 1971.
Chaplin viajou ao Reino Unido para a lançar o filme em uma sessão que contou com a presença da família real britânica. Quando voltou, teve seu visto revogado pelo serviço de imigração norte-americano. Como seu posicionamento político sempre foi de esquerda, Chaplin foi acusado de "atividades antiamericanas" durante a cruzada anticomunista promovida por uma comissão do senado americano.
O cineasta optou por morar em Vevey, na Suíça, cidade em que morreu na noite de Natal de 1977, vítima de um derrame cerebral. No dia 1.º de março de 1978, seu cadáver foi roubado da sepultura por um grupo de mecânicos suíços, na tentativa de extorquir dinheiro de sua família. O plano falhou, os ladrões foram capturados e o corpo foi recuperado onze semanas depois.






