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Literatura

Livros que são sucesso de crítica encalham nas prateleiras das livrarias

Se você lançar um livro e a crítica começar a falar muito bem dele, prepare-se: é possível que em alguns meses sua conta bancária comece a baixar de nível. Os leitores brasileiros – assim como no resto do mundo, aliás – parecem ser completamente indiferentes ao que os críticos dizem ou deixam de dizer sobre suas leituras. Isso cria um tipo específico de escritor: aquele que é sucesso, mas só de crítica. Na hora em que chega às prateleiras, encalha.

A história da literatura brasileira é pródiga em exemplos do gênero. Autores como Lúcio Cardoso e Dyonélio Machado freqüentam várias listas de criadores importantes. Mas quando foi a última vez que você viu alguém pedindo por um livro de um deles em uma loja? Às vezes, os clássicos das prateleiras passam até mesmo por fenômenos de reedição, mas o público insiste em ignorá-los. "Não é culpa de ninguém, é algo que acontece em todo o mundo", explica o veterano crítico Wilson Martins.

O principal problema decorrente dessa falta de comunicação entre crítica e público é que alguns autores que mereceriam mais atenção passam em branco. "Veja um escritor do tamanho do Milton Hatoum", comenta o escritor paranaense Wilson Bueno. "Vende quase nada, tendo toda a qualidade que tem", afirma. Para ele, um exemplo clássico de talento ignorado pelos leitores é o da poeta Hilda Hilst. "É uma das mais importantes escritoras do Brasil. E ao mesmo tempo os livros dela só encalham nas livrarias", comenta.

Hatoum é um dos mais citados exemplos de clássicos não-lidos. Dos quatro especialistas ouvidos pelo Caderno G, da Gazeta do Povo – dois escritores, um crítico e um jornalista –, três citaram o romancista como bom de texto e ruim de vendas. A lista, porém, é bem mais longa. Foram citados nomes como os de Luiz Ruffato, Marçal Aquino, Marcelo Mirisola, Josué Montello e Paulo Henriques Brito. Reconheceu algum? Se sim, parabéns. Ao que parece, a maioria dos leitores nem mesmo fica sabendo da existência desses autores.

O escritor Cristovão Tezza inclui em sua lista alguns nomes que costumam passar à margem até mesmo da crítica regular dos jornais. Ele fala, por exemplo, em Lívia Garcia-Roza, Adriana Lisboa e Francisco de Morais Mendes. Mas menciona também alguns que estão na ativa há algum tempo, inclusive com muito apoio da crítica. É o caso do paranaense Manoel Carlos Karam, também citado pelo jornalista Rogério Pereira, editor do jornal literário Rascunho.

Pereira apresenta uma longa lista de autores contemporâneos que são deixados de lado pelos leitores. Alguns deles já conquistaram os prêmios mais importante do país na área de literatura, como o Jabuti e o Portugal Telecom. É o caso do gaúcho Amílcar Bettega Barbosa, vencedor do segundo em 2005 com o livro de contos Os Lados do Círculo. Ou de Bernardo Carvalho, romancista para lá de admirado, que aos 45 anos já é considerado um possível futuro clássico. Mas também pouquíssimo reconhecido pelo público.

"Aqui no Paraná temos vários escritores nessa situação. Aliás, temos vários bons escritores no estado, mas quem vende?", pergunta Wilson Bueno. Segundo ele, mesmo Dalton Trevisan, com 80 anos de vida e uma festejadíssima carreira iniciada nos anos 50, não vende muito. Outros escritores, como ele próprio, Miguel Sanches Netto e Fábio Campana, portanto, passam por processo semelhante. Ou vendem menos ainda.

Bueno comenta que o mais estranho é que alguns autores ganham páginas e páginas de jornais e revistas quando lançam seus livros. São incensados, adjetivados, cultuados. "Mas parece que isso não tem efeito nenhum sobre as vendas", conta. Ao passo que outros livros, mesmo sendo detonados pela crítica, vendem como água. Como os de Paulo Coelho e Augusto Cury, diz ele. "O que será que acontece? Será que só propaganda boca a boca é que vende livro?", pergunta.

Para Wilson Martins, os fenômenos têm a ver com modas criadas a cada época. O crítico, no entanto, diz que boa parte dos talentos apontados por seus colegas mais novos também passa por um processo de supervalorização. Ele discorda da inclusão de alguns nomes na lista dos talentos pouco lidos. O próprio Milton Hatoum, incluído por três de seus pares na relação, não faz parte dos escritores favoritos de Martins. Segundo ele, o poeta Affonso Romano de Sant'Anna e o romancista Josué Montello tem mais méritos – e também são igualmente ignorados pelos compradores de livros. Mas o crítico também inclui nomes novos na sua relação, como o de Silvio Fioravani.

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