
Não é por acaso, nem por amizade, muito menos por favor, que Simon Khoury inclui Marlene em seu próximo livro, o 18º dedicado a nomes importantes do teatro brasileiro. Para ele, embora a fama de Marlene se deva a uma vitoriosa carreira como cantora, a atriz não fica atrás. Está, ao lado de Dulcina de Moraes, entre as mulheres que mais o impressionaram no palco. "Marlene é cristalina, autêntica, não esconde o jogo, não escamoteia", define o autor, já decidido a ampliar num livro só sobre ela o texto que, quando for lançado, vai dividir espaço com os perfis de Sylvia Bandeira, Ítalo Rossi e Ewerton de Castro.
Apesar da cadeira de rodas, consequência da fratura de fêmur que sofreu no ano passado, Marlene exibe a mesma energia de quando brilhava nos auditórios e nos teatros. "O palco é o meu púlpito", diz. "É onde tenho coragem de fazer coisas que, em outro lugar, me seriam impossíveis." As entrevistas a Simon Khouri, ao mesmo tempo que lisonjeiras, foram muito divertidas, sendo o entrevistador notório invasor da intimidade do entrevistado.
Para Marlene, não é problema falar de tudo, desde a luta para vencer a resistência de uma família religiosa aos seus sonhos de artista, até os dias de hoje, em que, mesmo sem poder andar, consegue sobreviver ao que considera "uma perversa política cultural" (seu primeiro DVD deve chegar às lojas em março). "Que governos são esses, que não cuidam de seus artistas?", pergunta. "A última deles foi, por economia, acabar com a participação de cantores populares no baile do povo, na Cinelândia."
Com uma feijoada em sua homenagem realizada no último sábado e o apoio permanente dos integrantes da Associação Marlenista do Rio de Janeiro (Amarj), um dos quais, César Sepúlveda, sabe mais sobre Marlene do que ela mesma, seu programa para o carnaval já estava devidamente feito. "Nunca brinquei carnaval", diz. "Eu fazia o carnaval."
Sepúlveda puxa do bolso um CD com dezenas de fotos de Marlene, algumas raríssimas, para que se use e abuse. Mas é Khoury quem retoma a palavra, para refazer, ao vivo, algumas perguntas do livro.
Ingênua
"Marlene, se você pudesse voltar aos 25 anos, gostaria de ter as pernas de Sylvia Bandeira, o porte de Camila Pitanga, a brejeirice de Camila Morgado, o profissionalismo de Bibi Ferreira, a irreverência de Dercy Gonçalves, a verdade de Irene Ravache, a voz de Ella Fitzgerald ou o talento de Fernanda Montenegro?", indaga. "Sem querer ser presunçosa ou metida a besta, acho que tenho um pouco de cada uma", responde Marlene à provocação do entrevistador.
Outra pergunta: "Qual o segredo para se manter jovem aos 86 anos?". Resposta: "Nunca me acomodei, nunca pus o carro na frente dos bois, nem desejei o homem da próxima. Um conselho? Viva cada dia como se fosse o último."
Khoury improvisa uma hipótese que não está no livro: "Se um garoto de 20 anos, em dúvida sobre se gosta de homem ou mulher, lhe pedisse para indicar-lhe o caminho, dormiria com ele?" A resposta vem de pronto: "Sou generosa, mas minha generosidade não vai a tanto."
Aproveitando a informação de que Marlene foi menina muito ingênua ("Fiquei mocinha sem saber o que era aquilo...") e que, já adulta, sempre levou o amor a sério (dois maridos, alguns namorados, enfim, mulher que, como Khoury observa "dividiu o leito com poucos homens"), ele insiste: "E a noite de núpcias?". "Nada disso... Dei antes."
Marlene é mais Marlene quando fala menos da mulher que da artista. Admite ter enfrentado muitos problemas em sua carreira, inveja, rivalidade, incompreensão. Na primeira crítica escrita sobre ela, chamaram-na de "cantora perna-de-pau". Não entendeu. Sofreu para chegar aonde chegou, mas, mesmo que às vezes ainda doa, acha que valeu a pena. Até hoje é assim.
Crítica
Quando Diogo Vilela a criticou, dizendo que ela, sem técnica, atrapalhara-o em cena, não passou a admirá-lo menos: "É um ótimo ator". Sabe que é uma batalhadora, uma guerreira capaz de vencer tudo. E se orgulha de ter conseguido "tudo que quis na vida" só às custas de seu trabalho. Khoury concorda: "Ela é e sempre soube ser uma verdadeira estrela.
Outra pergunta visa a surpreender Marlene, embora seja ela, sempre, a mais surpreendente: "Se fizessem um filme sobre sua vida, quem gostaria de ter no seu papel, Elba Ramalho, Ivete Sangalo, Drica Moraes, Ana Carolina, Daniela Mercury ou Ney Matogrosso?" "Poderia ser uma mulher forte, com alma masculina, como Selma Reis, ou um homem sensível, com alma feminina, como Marcos Sacramento. Gosto muito dos dois."
Marlene teve vários êxitos no teatro (para ela, nenhum como Botequim, de Gianfrancesco Guarnieri.) e já dividiu o palco com muita gente boa: Sérgio Britto, Vanda Lacerda, Dulcina de Moraes, Ivan Cândido, Emiliano Queiroz. Quem falta nessa lista? "Dos que se foram, Paulo Autran. Dos que ainda estão conosco, Tony Ramos. Ah, e também Bibi, Beatriz Segall, Lázaro Ramos. A verdade é que ainda tenho muitos planos, muitos desejos, um deles é fazer uma peça de teatro, séria, forte. Outro, um lindo show."
E a cantora? Afinal, de perna-de-pau a estrela maior, foi um longo caminho percorrido pela intérprete que pouca gente sabe lançou músicas como "Rio", de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, e "Dindi", de Tom Jobim e Aluísio de Oliveira. Cantou-as em primeira audição na tevê, mas não as gravou. Como também não gravou, talvez por estar ainda presa a certos princípios religiosos, um grande sucesso carnavalesco: "Sassaricando". "Além do que", lembra com orgulho, "aquele foi o ano de Lata dágua".





