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 | Marcelo Regua/ Ag. O Globo
| Foto: Marcelo Regua/ Ag. O Globo
  • Serviço: Ô Psit! O Cinema Popular dos Trapalhões. Fatimarlei Lunardelli. Artes e Ofícios. 178 págs,, R$ 27.
  • Os Adoráveis Trapalhões: Luís Joly e Paulo Franco. Matrix. 160 págs., R$ 24,10.

Por mais que exista até hoje uma nostalgia intermitente em relação ao humor e à irreverência de Os Trapalhões, tanto na televisão quanto no cinema, há um consenso entre os pesquisadores que estudaram mais a fundo a trajetória do grupo: eles não deixaram sucessores.

Renato Aragão, que pela primeira vez interpretou um personagem chamado Didi no filme Na Onda do Iê-Iê-Iê (1966), de Aurélio Teixeira, costuma dizer que seus ídolos maiores foram o britânico Charles Chaplin (1889-1977), gênio inventor do vagabundo Carlitos, e Oscarito (1906-1970), espanhol naturalizado brasileiro, astro das chanchadas da Atlântida. Tanto um quanto o outro se celebrizaram nas telas vivendo personagens marginais, limítrofes.

Didi, assim como Dedé, Mussum e Zacarias, também habitavam essa instância onde os heróis são sujeitos fora de ordem, que vivem nas bordas do chamado mundo produtivo, sobrevivendo como podem, muitas vezes recorrendo à malandragem, ao improviso e à farsa.

A pesquisadora e jornalista gaúcha Fatimarlei Lunardelli, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), é autora do livro Ô Psit! O Cinema Popular dos Trapalhões (ed. Artes & Ofícios, 1996), sua dissertação de mestrado em Artes, também defendida na instituição paulista.

Carnavalização

Recorrendo à teoria da carnavalização, de Mikhail Bakhtin, Fatimarlei defende, em sua discussão sobre Os Trapalhões, que eles pertenceriam ao que o pensador russo, quando fala das festividades realizadas durante a Idade Média e o Renascimento, chama de "mundo às avessas". Vivia-se, durante os dias de folia, uma inversão da ordem social estabelecida: os servos tomavam o lugar dos senhores e se entregavam a toda espécie de prazeres habitualmente proibidos.

Parte do encantamento de Os Trapalhões junto ao público viria, justamente, dessa oposição que representavam. Para a pesquisadora, Didi não chegava a ser um subversivo, porque, tal qual Macunaíma, o herói sem qualquer caráter criado pelo escritor modernista Mario de Andrade, o personagem não tentava jamais agir para modificar o mundo, as normas vigentes, mas encontrar brechas, dar um jeito de burlá-las, sem as desafiar de fato.

Associado a esse caráter carnavalesco de Os Trapalhões, havia o humor físico, circense e paródico, que segundo Fatimarlei, recorria aos estereótipos, em uma artimanha de simplificação, de redução da complexidade, bastante recorrente à comédia mais popular.

Datado

Para o pesquisador Luís Joly, que em 2007 lançou o livro Os Adoráveis Trapalhões, coescrito com Paulo Franco e mais focado na carreira televisiva do quarteto, o humor do grupo dificilmente encontraria ressonância nos dias atuais. "É, talvez, ingênuo e datado demais. Quando a Globo deixou de reprisar os programas, em meados da década de 1990, houve uma ruptura. Acho que as novas gerações não entendem mais o humor deles, rompeu-se um elo, uma conexão."

Em 30 de julho de 1994, após a morte de Mussum, o jornalista Luís Antônio Giron publicou na Folha de São Paulo um artigo intitulado "Os Últimos Palhaços da Televisão’.

No texto, ele argumenta que "os quatro formavam uma microorganização social". "O nordestino (Didi), o malandro (Dedé), o gay (Zacarias), o negro (Mussum), todos espelharam o caos ético e estético do país nos anos 1970 e 1980."

A afirmação corrobora a questão da simplificação apontada por Fatimarlei. "O conteúdo ideológico dos Trapalhões se diluía nas palhaçadas, nas contorções físicas, nas situações inusitadas. Realizavam a catarse das frustrações da nação pelo riso escrachado", escreveu Giron.

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