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Memória

Meio século sem Humphrey Bogart

A controvérsia permanece até hoje. Ninguém sabe ao certo em que dia Humphrey Bogart nasceu. Algumas biografias dão como oficial a data de 25 de dezembro de 1899. Muitos, no entanto, contestam essa informação. Afirmam que a escolha do último Natal do século 20 como dia de nascimento de Bogart foi um jogada do estúdio Warner Brothers, do qual o ator era contratado. Na época de ouro de Hollywood, valia de tudo para reforçar a aura romântica em torno dos astros e estrelas. Portanto, mentir era prática corriqueira – e perdoável.

Tenha nascido em 25 de dezembro ou em 23 de janeiro de 1900, outra data citada por biógrafos de Bogart como seu aniversário, um dado é incontestável. O dia exato de sua morte: 14 de janeiro de 1957, há exatos 50 anos.

Passado meio século desde que o protagonista de Casablanca sucumbiu a um câncer de esôfago, o mito Humphrey Bogart permanece intocado. Tanto que, em 1999, o American Film Institute, organização mais importante na manutenção da memória do cinema norte-americano, o escolheu como o maior astro de todos os tempos – a atriz escolhida foi Katharine Hepburn, com quem Bogart contracenou em Uma Aventura na África (1951).

Deixando para trás nomes como Cary Grant, Marlon Brando, Clark Gable ou Gary Cooper, atores de enorme importância na trajetória da sétima arte, Bogart talvez tenha ficado no topo da lista por encarnar, como nenhum outro, toda a aura de romantismo, charme, carisma e mistério que caracteriza a fase áurea de Hollywood.

Apesar de ter saído do teatro nova-iorquino, jamais conseguiu mostrar nos palcos o talento que exalava nas telas. Era, afinal de contas, um animal do cinema, sabendo como poucos interagir com a câmara, sendo capaz de transmitir múltiplas emoções a partir de pequenos gestos, como um olhar ou um acender de cigarro. Não à toa exerceu enorme influência sobre as gerações de atores que o seguiram, dentro e fora dos Estados Unidos. De Marlon Brando a Jean-Paul Belmondo, sobretudo em sua atuação no clássico da Nouvelle Vague Acossado, passando pelo Harrison Ford de Blade Runner – O Caçador de Andróides, Bogart criou um estilo de interpretação, um arquétipo de masculinidade, que reverberam até hoje.

Ao contrário de atores contemporâneos como Daniel Day-Lewis, que se dilui e se transforma em seus personagens, Bogart sabia que era pago – e muito bem – para ser ele mesmo. Seus papéis, embora diversos, tinham inúmeros traços em comum. Eram homens inteligentes, sagazes, irônicos e tão audazes quanto honestos, quase sempre imbuídos de senso ético. Chegavam a ser heróicos, mas de forma discreta, blasé, jamais arrebatada.

Tomemos como exemplo Rick, protagonista de Casablanca, talvez seu personagem mais lembrado pelo grande público. Apesar de dono de bar e boêmio assumido na cidade marroquina, ele é capaz de enfrentar os nazistas e abrir mão da mulher de sua vida (Ingrid Bergman) em nome de uma causa maior: a vitória das forças aliadas sobre o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial.

Identificado como ícone maior do chamado cinema noir, Bogart estrelou alguns do títulos mais importantes do gênero. O exemplo inevitável é Relíquia Macabra (ou Falcão Maltês, de 1941), baseado no romance policial de Dashiel Hammett, no qual vive o detetive Sam Spade. Inteligente e perspicaz, o investigador também é, como manda a cartilha noir, um sujeito solitário, introspectivo e sempre suscetível ao charme de uma mulher frágil (Mary Astor, no caso), mas cheia de más intenções.

Depois de três casamentos entre os anos 20 e 40, Bogart uniu-se, em 21 de maio de 1945, com aquela que seria para toda a eternidade identificada como sua cara-metade, uma modelo e aspirante a atriz chamada Lauren Bacall, quase 25 anos mais jovem do que ele. Juntos tiveram um casal e filhos e fizeram alguns dos filmes mais importantes na carreira de ambos, entre eles Uma Aventura na Martinica (1944), À Beira do Abismo (1946), O Prisioneiro do Passado (1947) e Paixões em Fúria (1948).

Indicado ao Oscar três vezes, Bogart venceu uma única estatueta, por Uma Aventura na África (1952), de John Huston, com quem já havia feito clássicos do calibre de Relíquia Macabra e O Tesouro de Serra Madre (1948). As outras indicações foram por Casablanca (1944) e A Nave da Revolta (1954). Nenhum desses filmes, no entanto, traz o trabalho hoje considerado exemplar dentro da obra de Bogart. No papel de um roterista atormentado e suspeito de um misterioso assassinato, o ator brilha no excepcional No Silêncio da Noite (1950), de Nicholas Ray, diretor de Juventude Transviada. Dick Steele, seu personagem, personifica o pessimismo, a ambigüidade moral e a fratura emocional do pós-Guerra. Fez de Bogart um ator sublime, inesquecível.

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