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política cultural

Mexer com a cultura não será mais um ato invisível depois de 2016

Setor artístico se tornou um dos focos de resistência ao governo no ano que passou

Sonia Braga no protesto feito pela equipe de “Aquarius” no Festival de Cannes | Valery Hache/AFP
Sonia Braga no protesto feito pela equipe de “Aquarius” no Festival de Cannes (Foto: Valery Hache/AFP)

A cultura viveu um ano de fortes emoções. Ao mesmo tempo em que teve sua casa maior, o MinC, desprestigiada pelo governo Temer logo no início de sua gestão, quando veio a ordem de reduzi-la a secretaria e abrigá-la encolhida sob o guarda-chuva do Ministério da Educação, o segmento cultural demonstrou uma força de mobilização sem precedentes. Nem Temer esperava tanto barulho. O mesmo ano em que a cultura desceu ao posto mais baixo desde os anos 1980 - o MinC foi criado pelo presidente José Sarney em 1985 - refletiu uma consciência reivindicatória poderosa. Mexer com a cultura não será mais um ato invisível depois de 2016.

Desgastado pelo bombardeio disparado contra sua medida em um país pós-impeachment ainda em chamas, Michel Temer foi obrigado a voltar duas casas e a retomar a existência do MinC. Depois de penar em busca de um nome que aceitasse conduzir a pasta ressuscitada, conseguiu um jovem de discurso conciliador chamado Marcelo Calero, um diplomata para quem a oposição e muitos artistas olharam torto. Enquanto a Polícia Federal investigava uma fraude de R$ 180 milhões de verbas conseguidas via Lei Rouanet para custear festas privadas para grandes empresas, Calero se reunia com lideranças de peso com o lenço branco em mãos. Começou a ganhar confiança e a dar sinais de reaproximação até eclodir mais um elemento-surpresa: Calero tinha caráter demais, não sabia brincar de política.

O Ministério da Cultura voltou às manchetes dos jornais no dia 18 de novembro, quando Calero pediu demissão acusando o então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, de tê-lo pressionado a liberar a construção de um arranha-céu em Salvador em uma área tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional). Geddel havia comprado um apartamento no edifício - algo que, obviamente, julgava ser mais importante do que a preservação de uma área histórica. Calero disse não e não arredou o pé, mesmo sob pressão. Avisou Temer do pedido, mas não sentiu-se seguro. Então, lembrou-se do único bem que deveria ser inegociável a um homem, o próprio nome, e saiu de cena antes de sujar as mãos. Geddel caiu seis dias depois.

A cultura, essa filha rebelde e indomável, já havia causado problemas demais. Depois de ser pivô da maior cisão entre artistas e governo desde o final da ditadura, deveria, desta vez, parar em mãos que não oferecessem mais ao Planalto os inconvenientes riscos da surpresa. Mesmo sem uma política cultural definida e nenhuma experiência no setor, o aliado de Temer, Roberto Freire (PPS), que já havia defendido o encolhimento do modelo ministério para o de secretaria, aceitou a função analgésica de líder da pasta mais enferma.

“Fora Temer”

O plano-sequência cinematográfico que começa com a decisão de encolhimento do MinC e termina em um escândalo político com a derrubada de um ministro, sucessivo ao ambiente de indignação de parte majoritária de uma classe que não reconhece Temer como um líder legítimo, levanta a muralha mais alta. Mais forte do que a própria oposição de um PT em farrapos, ao qual resta apostar na corrosão das memórias, os artistas alinhados entoam “Fora Temer” em seus shows e fazem apresentações em espaços ocupados. Com o espírito bélico, Chico Buarque mandou retirar sua música Roda Viva da trilha sonora do programa de mesmo nome da TV Cultura depois de uma entrevista com o presidente. Antes da estreia da Bienal de Artes, em São Paulo, artistas exibiram faixas de “Fora Temer” no Parque do Ibirapuera.

O cinema mostrou suas armas em Cannes. Em maio, parte do elenco e o diretor de “Aquarius”, Kleber Mendonça Filho, protestaram durante a estreia do longa. “Um golpe ocorreu no Brasil” e “resistiremos” foram algumas das mensagens escritas nos cartazes. O filme considerado um dos melhores da temporada se tornou símbolo de resistência em um ano que, para a cultura, não termina no dia 31.

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