
Quando se pensa em ritual, vem logo à cabeça o senso comum, ou seja, que eles são práticas formais e arcaicas ligadas, exclusivamente, à esfera religiosa. Na verdade, os rituais, em uma definição ampliada, são um conjunto de atos formalizados a partir da obediência de regras, padrões e procedimentos típicos. Um jogo de cartas, por exemplo, os cuidados femininos com os cabelos, a festa do Círio de Nazaré, em Belém do Pará, e o carnaval brasileiro são exemplos bem diferentes de rituais.
Esta edição trata especificamente de alguns dos chamados ritos de passagem, realizados das formas mais diversas em todas as sociedades para dar significação a atos naturais como o nascimento, a passagem da infância para a vida adulta, a formação de uma nova família por um casal e a morte. "Rituais são eventos sociais que marcam uma mudança de posição ou procuram realizar uma mudança social desejada. Eles envolvem algum tipo de mobilização, no sentido de alterar as condições de existência das pessoas", explica o professor da UFPR Marcos da Silva Silveira.
Os rituais são, portanto, um bom ponto de entrada para se compreender o que pensa, o que deseja, enfim, quais os valores de uma sociedade. A formatura, exemplifica José Guilherme Magnani, tem grande importância para a sociedade contemporânea no Brasil por marcar a passagem de uma etapa de formação para outra em que se entra no mercado de trabalho. Em sua origem, um ato acadêmico, solene, foi alçado a um evento social com direito a jantar, baile e viagem.
"À colação, foi acrescentado um show à parte com som, luzes, efeitos de gelo seco e em que cada formando é um superstar. Esbanja-se mau-gosto e cafonice. Transforma-se o ambiente acadêmico, naturalmente sério, numa atração de focas amestradas, talvez, traduzindo a seriedade com que se fez o curso", opina o professor de Ecumenismo Antonio Carlos Coelho.
Mas, apesar disso, está lá o ritual, intacto, mesmo que um tanto ofuscado pela pirotecnia que o cerca: a entrega do diploma é feita com a mesma carga de sentido de épocas, digamos, mais sóbrias. "A sociedade não perdeu o gosto pelo ritual, transformou-o em espetáculo. Mas, quanto mais o evento ganha esse caráter, mais se explicita o quão ele é significativo para aquela sociedade", explica Magnani.
Pobres ou ricos, pouco importa. A maioria das pessoas sonha em se casar ao melhor estilo, de acordo com o ideário da sociedade do espetáculo, embora hoje muitas pessoas abram mão do sacramento religioso (leia entrevista na página 3). Magnani, que estuda aspectos da periferia de São Paulo, observa que há poucas diferenças entre a cerimônia de casamento de pessoas de diferentes classes sociais. Muda apenas a marca do espumante, os itens do cardápio, a decoração, ou seja, o aparato é organizado de acordo com o que o bolso alcança. "Nos dois casos, se segue o modelo socialmente aceito", afirma.
Nascer é melhor que morrer
Se antes os partos eram feitos em casa, período no qual a mãe se resguardava, hoje eles são quase públicos: há filmes, fotos, lembrancinhas. Em casos mais extremos, amigos e parentes podem, inclusive, ver o vídeo do nascimento no Youtube.
"Há uma tendência da nossa sociedade de valorizar o nascimento e esconder morte, ao contrário de culturas como, por exemplo, a dos índios bororo, em que os rituais fúnebres, por sua grande importância, são longos e exigem grande investimento", analisa Magnani.
Em uma sociedade pouco disposta a pensar na morte, os rituais fúnebres se tornaram discretos e reduzidos. Isto causaria um distúrbio social, no sentido de que as pessoas deixam de dedicar seu tempo à elaboração do luto? Magnani não concorda. "As fases da vida foram muito medicalizadas, a pessoa nasce e morre no hospital, mas isso não quer dizer que os rituais sejam melhores nem piores do que antes", diz.
Para ele, ficamos presos a modelos antigos e desconsideramos os novos. "Contratar uma carpideira para chorar em um velório, por exemplo, parte de um ritual tradicional, é tão artificial quanto alguns ritos atuais. Não dá para generalizar, o fato de a morte acontecer em um hospital não significa que não haja sofrimento", diz.
É preciso compreender as novas formas ritualísticas que nascem com as relações cada vez mais mediadas pela tecnologia. "Há casos de pessoas que morrem e a família mantém seu blog, ou seja, perpetua sua memória na Internet. Isso parece tão artificial quanto a carpideira. No entanto, é uma forma de elaborar o luto até que aquela pessoa que morreu saia definitivamente do convívio dos vivos", diz.




