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Mobilidade

Movimento das bicicletas e falta de infraestrutura

O interesse pelo uso do veículo nas grandes cidades é crescente, mas ainda é necessário investimento para oferecer ao ciclista um espaço seguro nas ruas

 | Ilustração: Robson Vilalba
(Foto: Ilustração: Robson Vilalba)
Espaço da Bicicletaria Cultural, no centro da cidade une mobilidade e cultura |

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Espaço da Bicicletaria Cultural, no centro da cidade une mobilidade e cultura

Shoppings centers, como o Mueller, oferecem bicicletário gratuitamente. Um funcionário anota o nome do dono e características da bicicleta |

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Shoppings centers, como o Mueller, oferecem bicicletário gratuitamente. Um funcionário anota o nome do dono e características da bicicleta

Apesar de não indicado, muitos ciclistas em Curitiba se sentem mais seguros ao circular pelas vias do expresso do que nas ruas |

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Apesar de não indicado, muitos ciclistas em Curitiba se sentem mais seguros ao circular pelas vias do expresso do que nas ruas

Ciclista se locomove pela via compartilhada na altura do Passeio Público |

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Ciclista se locomove pela via compartilhada na altura do Passeio Público

Malha cicloviária atual de Curitiba tem 127 quilômetros: novo projeto quer implementar mais 300 quilômetros, além de revitalizar os trechos já existentes até 2016 |

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Malha cicloviária atual de Curitiba tem 127 quilômetros: novo projeto quer implementar mais 300 quilômetros, além de revitalizar os trechos já existentes até 2016

O artista plástico Fernando Rosenbaum, idealizador da Bicicletaria Cultural: empreendedorismo

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O artista plástico Fernando Rosenbaum, idealizador da Bicicletaria Cultural: empreendedorismo

Compar­tilhamento de espaços no trânsito e conscientização é a chave para que deslocamentos fiquem mais seguros para os ciclistas, motoristas e pedestres |

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Compar­tilhamento de espaços no trânsito e conscientização é a chave para que deslocamentos fiquem mais seguros para os ciclistas, motoristas e pedestres

Há a impressão de que as bicicletas vêm tomando as ruas pelo Brasil, sobretudo nas metrópoles. Ou, pelo menos, passaram a ser vistas pela sociedade e pelo poder público, que entendeu que planejar a ciclomobilidade é uma necessidade na dinâmica das grandes cidades, cujo trânsito é cada vez mais pesado. A bandeira da bicicleta, entretanto, não passa somente por desafogar o tráfego ou diminuir a emissão de poluentes, mas aparece como um sinal de que existem pessoas interessadas em sair do egocentrismo e da inércia para forçar as cidades a se prepararem para as pessoas, e não somente para os carros.

O movimento em torno da causa é parte de um processo que começou há cerca de uma década no Brasil, e só agora vem atingindo a chamada "massa crítica", explica o jornalista, cicloativista e autor do blog Ir e Vir de Bike, Alexandre Costa Nascimento. "A bicicleta e os movimentos sociais em torno dela surgem quase que como um símbolo político, uma bandeira que busca transformar a realidade de uma sociedade cada vez mais individualista, cujo símbolo maior é o carro." A consequência, segundo ele, são obras urbanas voltadas aos veículos motorizados, com a cidade se tornando cada vez mais um espaço de passagem.

Para quem enfrenta o asfalto – aliás, segundo o Código Brasileiro de Trânsito (CTB), o lugar do ciclista, quan­do não há espaços como ciclovia ou ciclofaixa, é na rua, no mesmo sentido dos carros, utilizando os bordos da pista – as condições são adversas, e existe, rotineiramente, casos de atropelamento (veja o depoimento de uma vítima em Curitiba na semana passada, na página 3). E não somente no Brasil: em Londres, no mês passado, seis ciclistas foram mortos apenas em duas semanas.

O artista plástico e idealizador da Bicicletaria Cultural, Fernando Rose­nbaum, costuma repetir: o ciclista é um cavaleiro do seu tempo, que anda sem armadura e "contra a maré". Quem usa a bicicleta enfrenta um não lugar em meio à cidade, e costuma de deparar com uma certa tensão, tanto com o motorista quanto com o pedestre, e parece não ser tão bem-vindo quanto parece.

A pergunta que fica é: o que move essas pessoas que carregam uma ideologia ao mesmo tempo revolucionária e romântica, a encarar um trânsito que mata mais de 45 mil pessoas por ano no Brasil?

O autor do Ir e Vir de Bike define os dados como um "holocausto motorizado" e crê que os envolvidos são pessoas que desejam enfrentar o problema. "Para mudar isso, é preciso ter coragem e uma boa dose de ousadia, para provar, por A + B, que é possível", diz, mesmo lembrando que ainda falta no Brasil políticas eficientes que integrem a bicicleta ao cotidiano das cidades.

Já o responsável pelo projeto Vá de Bike (de São Paulo), Willian Cruz, que começou o site como um blog pessoal em 2002, fez a opção por ser mais prática. "Tenho 40 anos e cresci na cultura do automóvel. Morava há oito quilômetros do trabalho e, um dia, demorei duas horas para chegar. Experimentei ir de bicicleta, que já adotava como esporte, e levei meia hora. Era mais simples do que eu imaginava. Costumo dizer que o maior cicloativista de São Paulo é o congestionamento."

A percepção de que é preciso mudar uma dinâmica urbana já desgastada é o palpite do coordenador-geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (Ciclo Iguaçu), Goura Nataraj para que mais gente use o transporte. "Esses jovens estão querendo ter uma outra experiência na cidade, não só a controlada pelo carro e pelos shoppings." Militante pela causa da bicicleta desde 2005, parte do grupo que pintou a primeira ciclofaixa simbólica de Curitiba em 2007 (na rua Augusto Stresser), Nataraj lembra que é necessário repensar a cidade. "Não basta só criticar o bem público e não se tocar de que eu também sou o causador do congestionamento que critico."

Demagogia?

Lucas Pereira Nery, sócio fundador da Bicicletaria.Net tem uma visão mais crítica sobre a "onda": a parcela das pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte parece mais volumosa (segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC, 2% dos deslocamentos em Curitiba são feitos com o veículo, dados de 2008), mas apenas apareceu por ter se transformado em uma causa da classe média. "Ela não é novidade para a massa de trabalhadores. Às seis da manhã, você vê muitos deles, alguns vindos da região metropolitana. Não é brincadeira de fim de semana." Entretanto, ele reconhece que há uma consciência de pessoas mais instruídas em tomar uma postura menos dependente do automóvel.

O professor do departamento de transportes da UFPR, Garrone Reck, também concorda que o ciclista já existe "há muito tempo". "Mas ele foi perdendo espaço para o automóvel no Brasil, principalmente a partir da década de 1970, com ruas mais ocupadas pelos carros."

Convivência

Os cicloativistas e especialistas entrevistados pelo G Ideias acreditam que falta muito para que Curitiba seja considerada uma cidade amiga da bicicleta, apesar do plano estratégico cicloviário projetado para a cidade, lançado em setembro (leia mais ao lado).

O principal passo para o ciclista conseguir mais espaço, e, por consequência, melhorar a infraestrutura para o carro e o pedestre, é estabelecer um convívio mais harmonioso, com investimento em campanhas educativas, e não hostilizar um modal. "Não temos de atacar frontalmente o carro, mas é preciso ter a noção de destinar o espaço público para as pessoas", salienta Lucas Nery.

Em relação à infraestrutura, há soluções interessantes como as ciclovias, locais destinados somente à circulação de bicicletas, vias compartilhadas com pedestres e as ciclofaixas e ciclorotas dividindo a via com o carro. Apenas segregar o espaço, ao contrário do que se imagina, não é a forma de deixar o ciclista mais seguro, ainda mais se a ciclovia for estreita e projetada de forma errônea. Willian Cruz diz que a compatibilização da velocidade, com as chamadas vias calmas, é uma das melhores práticas. "Estudos estrangeiros mostram que, se o ciclista for atropelado a 30 quilômetros por hora, 5% morrem. A 80 quilômetros, somente 5% sobrevivem."

Aposta na bicicleta como negócio

Antes de fundar há dois anos a Bicicletaria Cultural junto com sua esposa, Patrícia Valverde, o artista plástico Fernando Rosenbaum começou a entender, ainda na adolescência, que era possível usar a bicicleta como meio de transporte. Foi além e, em 2000, viajou com amigos à Bahia de magrela. "Vi que precisava de tempo e disposição."

O negócio proposto pelo artista (localizado no centro da cidade, na rua Presidente Faria) mistura manutenção (sua maior fonte de renda são os remendos em pneus, a R$ 7), oficinas diversas, estacionamento e manifestações culturais, como exposições e shows. "Fazemos uma contaminação. Quem não vem pela bike, acaba se interessando, e vice-versa." A oficina é colaborativa, ou seja, qualquer pessoa pode se propor a consertar e ganhar a metade do valor do serviço.

O espaço venceu no ano passado prêmio da Aliança Empreendedora pelo pioneirismo social e ineditismo da proposta. O modelo do negócio, que ainda necessita de muitos ajustes para ser mais rentável, é o que Rosenbaum chama de empreendedorismo "brilho no olho". "É uma ideia que pode revolucionar as relações."

Outra boa proposta, mas que está temporariamente suspensa em Curitiba é o aluguel de bicicletas realizado pela Bicicletaria.Net, que funcionou por seis meses, fundado por Lucas Pereira Nery, , Rafael Milani e Luiz Eduardo Sheinkmann. Apesar da demanda e da boa aceitação, o negócio não se sustentou sem um patrocínio. "Vimos que o faturamento não acontecia, no mês que superamos o nosso custo foi de 50%", diz Nery. Com um grande patrocínio quase fechado, o sistema deve ser reinaugurado em breve, com planos a partir de R$ 10 por 24 horas de uso. Caso o subsídio pelo patrocinador seja total, a utilização poderá ser gratuita.

Consumo

Com poucos espaços de estacionamento na cidade – com exceção dos shoppings centers e paraciclos pelo centro, os estabelecimentos não costumam oferecer um local específico para que o ciclista deixe sua bicicleta em segurança. Willian Cruz, do Vá de Bike, acredita que esse é um equívoco prejudicial ao comerciante. "É uma parcela de consumidores que o lojista está perdendo."

Cruz lembra que ainda há uma percepção errônea de que a vaga para estacionar o carro é o que chama o cliente. "Quando fecharam a Times Square, em Nova York, foi uma gritaria. Depois que restringiram o acesso, as vendas aumentaram." O professor Garrone Rech, do departamento de transporte da UFPR, concorda com a ideia, e sugere que, no centro da cidade, os estacionamentos para carros na via sejam retirados. "Não tenho piedade nenhuma. Não em todas as ruas, mas pensando em um roteiro. O automóvel terá de ceder espaço."

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