
Para começar o livro Dalton Trevisan (en)contra o Paranismo (Editora Travessa dos Escritores,2009), emprestei uma delimitação testada pelo crítico e estudioso Antonio Cândido que, no livro Literatura e Sociedade, iniciou seus estudos a partir da independência do país. Transpondo este recorte para o limite estadual, o estudo começa com a emancipação do Paraná de São Paulo, em 1853. E realmente as últimas década do século 19 foram bastante movimentadas no estado. Foi a partir dali que construiram-se estradas de ferro e estradas rodoviárias, que se estebeleceu Curitiba como capital, que a indústria e o comércio se desenvolveram, que chegaram a maioria dos imigrantes, que surgiram os primeiros jornais, as primeiras bibliotecas e os primeiros clubes literários. De lá para cá foi um longo caminho e este Caderno G ideias vai passear por várias fases e épocas da literatura paranaense. Eu começo pelo começo e nas páginas que se seguem os leitores poderão acompanhar outros recortes da literatura no estado.
Simbolismo
A formação cultural do Paraná na virada do século 19 para o 20 apoiou-se em três pilares básicos: o anticlericalismo, o positivismo e o simbolismo. Destes, o simbolismo destacou-se e permaneceu, com os representantes do Paraná tendo alguma influência nacional, se não pela literatura, ao menos pelas ações. O principal nome do simbolismo paranaense é Emiliano Perneta, aclamado, em 1911, como o príncipe dos poetas paranaenses e 35 anos depois, um dos alvos preferenciais da crítica ácida de Dalton Trevisan. Seu primeiro livro de poesias, Músicas, foi lançado em 1888, em São Paulo, onde ele estudava Direito. Ainda em São Paulo e também na então capital federal, o Rio de Janeiro, para onde se mudou, ele auxiliou na criação de revistas literárias, tentando conquistar espaço entre as dominantes escolas parnasiana e naturalista.
Nessa tentativa de inclusão do simbolismo, talvez a maior contribuição do paranaense para o movimento foi ter arrumado empregos no Rio de Janeiro para o catarinense Cruz e Souza, este sim o principal representante simbolista brasileiro. No final, os simbolistas perderam a guerra para os parnasianos que se impuseram no início do século. Emiliano passa uma temporada obscura em Minas Gerais e então retorna ao Paraná para pavimentar o seu "principado" na provincia. O livro mais representativo dele foi "Ilusão", de 1911, mas com pouca repercussão nacional.
O Paraná vivia um momento literário interessante na virada do século. A professora e pesquisadora Maria Tarcisa Bega, em sua tese de doutorado na USP, Sonho e Invenção no Paraná, listou 21 escritores nascidos entre 1857 e 1879, a começar pelo "patriarca" Rocha Pombo, um dos principais historiadores do estado. Além dele e Perneta, outros nomes representativos dessa época foram Leôncio Correia, Nestor Vitor (crítico de renome nacional), Dario Vellozo, Júlio Perneta, Silveira Netto, Romário Martins, Leocádio Correia e Euclides Bandeira.
Esses mesmos nomes influenciaram a cena cultural paranaense na entrada do século 20, a ponto de abafarem no estado o movimento modernista surgido no país na década de 20. A pesquisadora Regina Iorio, em sua tese de doutorado no curso de pós-graduação em História, da UFPR, chamada Intrigas e Novelas Literatos e Literatura em Curitiba nos anos 20, a exemplo de Maria Tarcisa Bega, listou 24 escritores nascidos entre 1876 e 1906. No entanto, ela mostra que a participação e produção deles se dava mais em artigos de jornal do que em livros. Entre 1930 e 1939, só 12 livros foram lançados por eles. Apenas metade era de ficção, os outros eram livros técnicos, de memórias, ou críticas.
Paranismo
Nessa ápoca, buscava-se dar ao estado uma característica própria. Era uma tentativa de afirmação em um local a princípio colonizado por paulistas e que depois recebeu 100 mil imigrantes em menos de 50 anos, a partir de 1853. Surge o movimento Paranismo, que buscava dar essa identidade ao estado. Novamente aparecem os nomes de Rocha Pombo, Nestor Vitor, Dario Velozo e Emiliano Perneta, como representantes deste movimento. Foi criado o Centro Paranista e algumas editoras que faziam questão de ter romances e poesias dedicados ao pinheiro, ao pinhão e às paisagens paranaenses. "Paranismo é o espírito novo, de elação e exaltação, idealizador de um Paraná maior e melhor pelo trabalho, pela ordem, pelo progresso, pela bondade, pela justiça, pela cultura, pela civilização", escrevia Romário Martins no artigo "Paranística".
Esse sentimento excluiu alguns artistas que tentaram trilhar outros caminhos, mais próximos da modernidade. Newton Sampaio foi um deles. Sentia-se rejeitado e, em vários artigos publicados em jornais do Rio de Janeiro e em Curitiba, criticava a opção e o comportamento paranista. De certa forma, apesar de uma produção bem menor, Newton Sampaio foi o precursor de Dalton Trevisan.
Vampiro
Dalton intrometeu-se no caminho paranista quando lançou a revista Joaquim, em 1946, quando ainda não tinha 20 anos de idade. A publicação durou apenas dois anos e 21 edições, mas se impôs como um modernismo tardio naquele cenário retrógrado paranaense. Ali, o futuro Vampiro de Curitiba testaria tanto suas qualidades literárias, quanto as críticas, não poupando os grandes nomes da cultura local.
As principais críticas foram justamente contra Emiliano Perneta, Alfredo Andersen, nas artes plásticas, e ao próprio Paranismo. "Emiliano Perneta foi uma vítima da província, em vida e na morte. Em vida, a província não permitiu que ele fosse o grande poeta que poderia ser, e, na morte, o cultua como sendo o grande poeta que não foi", escreveu Dalton. Sobre o Paranismo, ele diria: "Fortalece-se certa mentalidade reacionária (disfarçada pelo lindo adjetivo de "paranista"), que, em nome de santas tradições, amputou as mãos e furou os olhos dos jovens artistas.
Além de Dalton, Joaquim reuniu nomes como Erasmo Piloto, Wilson Martins, Temístocles Linhares e Poty, entre os paranaenses, mas teve a colaboração de figurões culturais de fora, como Carlos Drumond de Andrade, Vinícius de Moraes, Otto maria Carpeaux, Portinari, Di Cavalcanti, Sérgio Milliet e muitos outros.
Naquela época, Dalton Trevisan lançou dois livros, duas novelas, depois renegadas; Sonata ao Luar (1945) e Sete Anos de Pastor (1946). Depois disso e do fim da revista em 1948, ele continuou publicando esporadicamente em outras revistas e apenas em 1959 lançaria Novelas ada exemplares", com o qual se lançaria definitivamente no mundo literário. Hoje, conta quatro dezenas de livros e é o maior representante da literatura paranaense de todos os tempos.



