
Para quem for ao Cineplex Batel assistir ao mais recente longa-metragem de Wes Anderson, a deliciosa comédia dramática Moonrise Kingdom, uma dica: fique atento à excepcional trilha sonora do filme.
Os fãs do cinema do diretor norte-americano sabem que a música sempre teve papel fundamental em sua obra. Vale lembrar que foi ele quem teve a ideia um tanto controversa, para muitos de convidar o cantor e ator brasileiro Seu Jorge para interpretar clássicos de David Bowie em A Vida Marinha com Steve Zissou (2003).
Em Moonrise Kingdom, não é diferente.
A trama do filme se passa em meados da década de 1960, em uma pequena ilha localizada na costa da Nova Inglaterra. No início da adolescência, Sam (Jared Gilman), um garoto órfão que vive trocando de família adotiva em decorrência de problemas de adaptação, e Suzy (Kara Hayward), uma menina sensível que adora ler mas não gosta muito de pessoas, sentem-se deslocados, verdadeiros peixes fora dágua. E se apaixonam.
Depois de se conhecerem, por acaso, em uma peça teatral sobre a Arca de Noé na qual Suzy atua, o casal passa a se corresponder com regularidade. Até o dia em que decidem fugir juntos. Para desespero dos pais advogados de Suzy (Bill Murray e Frances McDormand) e do escoteiro-chefe Ward (Edward Norton), que supervisiona o grupo do qual Sam faz parte e com o qual está instalado em um acampamento na ilha.
Mas a música entra onde nessa história toda? Ela não apenas dá o clima à narrativa mirabolante da trama, mas também a comenta e até nela interfere, indo desde temas compostos especialmente para o filme pelo mestre francês Alexandre Desplat (de O Discurso do Rei e A Árvore da Vida) até canções da época.
Britten
Logo na abertura do filme, Suzy, em companhia de seus irmãos pequenos, ouve em uma vitrola portátil um disco de vinil com uma gravação, sob a regência de Leonard Bernstein, de The Young Persons Guide to the Orchestra, Op. 34, obra composta em 1946 pelo britânico Benjamin Britten, que tem como subtítulo "Variations and Fugue on a Theme of Purcell", já que o compositor se apropria de um tema composto por seu conterrâneo, o gênio do barroco Henry Purcell (1659-1695), para criar sua peça, originalmente pensada para ser utilizada em um documentário, voltado para o público infantil, chamado Os Instrumentos da Orquestra, do escocês Muir Mathieson.
A peça serve para introduzir o espectador ao universo de Suzy, uma garota precoce que vive as dores de ter uma família disfuncional, traço recorrente na obra da Anderson, sobretudo em filmes como Os Excêntricos Tenenbaums (2001) e Viagem a Darjeeling (2007)
O interessante é que, nos créditos finais do longa, Anderson oferece ao público como tema de fundo a rica trilha original composta para o filme, com Alexandre Desplat se apropriando do mesmo formato empregado na gravação original da obra de Britten para o documentário uma didática explicação da função de cada instrumento no corpo da obra.
Também têm papel fundamental na construção da narrativa canções da época na qual a ação do filme se passa, como "Kaw-Riga", "Long Gone Lonesome Blues" e "Ramblin Man", do lendário cantor country Hank Williams, e "Le Temps de LAmour", na voz de Françoise Hardy, ícone da chanson française. Esta última embala uma das muitas cenas sublimes de Moonrise Kingdom, na qual Sam e Suzy dançam, se beijam pela primeira vez e descobrem o desejo. GGGG



