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Literatura

“Não contem comigo”

Escritor Ruy Castro fala sobre porque parou de escrever biografias e da expectativa da aprovação da lei que permite a autores a escrevê-las sem pedir autorização a herdeiros

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(Foto: Divulgação)

Ruy Castro é autor de algumas das biografias mais lidas e vendidas no país. A experiência em escrevê-las e publicá-las o fez definir em tom de brincadeira o perfil ideal de seu próximo possível biografado. "O personagem ideal não deve ter filhos, nem sobrinhos, nem netos, nem irmãos e nem mesmo cunhados. É importante que ele fosse órfão, filho único, solteirão, estéril e impotente."

O gracejo em tom de desabafo foi dito em entrevista à Gazeta do Povo durante a 2.ª edição do Festival Literário de Araxá (Fliaraxá), quando Ruy pôde falar "de cadeira" sobre a "indústria do herdeiro" que existe no Brasil, amparada em um artigo do Código Civil.

A lei brasileira só autoriza a divulgação de imagens e informações biográficas de personagens públicos em situações específicas, como ter autorização da pessoa exposta ou, se ela já tiver morrido, com o consentimento de familiares; por necessidade da administração da Justiça e para manutenção da ordem pública.

Com base nesses critérios, a Justiça já proibiu a venda de biografias do cantor Roberto Carlos e do ex-jogador de futebol Garrincha (1933-1983). Estrela Solitária (1995), que narra a história do anjo da pernas tortas, como Garrincha ficou conhecido, foi escrita por Ruy Castro e enfrentou uma um briga judicial de 10 anos, que terminou com um acordo financeiro entre a editora Companhia das Letras e a família do craque.

Ruy coloca sua últimas esperanças no projeto de lei que tramita no Congresso e que pretende alterar o Có­­digo Civil. O texto, já a­­pro­­vado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, estabelece que "a ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade".

"O que eu espero é ver isso resolvido logo. Esse projeto de lei precisa passar e ser aprovado o mais rápido possível para acabar com essa ridícula imposição de ter de pedir autorização para fazer biografias." Ele afirma que o Brasil é um dos únicos países que tem restrições legais a biografias. "É uma interpretação fascista de um artigo infeliz do Código Civil. Isso tem de cair para a gente poder voltar a contar a história do Brasil", diz o escritor.

Enquanto o projeto ainda tramita no Congresso, Ruy decidiu suspender suas atividades como biógrafo. "Se não for decretada a inconstitucionalidade desse artigo [o 20, do Código Civil], não contem comigo para fazer biografia. Não quero me aporrinhar, não quero ‘encheção de saco’ de herdeiros, muito menos fazer concessões a herdeiros ou pedir qualquer autorização."

"Eu sempre fui independente. Faço meus livros e quem não gosta pode me processar ou escrever um livro contando a sua versão. Deixem os biógrafos em paz. O livro é sagrado, tem de ter a liberdade de circular", diz Castro.

O jornalista viajou a convite do festival.

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