
De que forma você ouve música? Pelos fones do seu MP3 player? Pelas caixinhas do computador? "Ripa" CDs ou "espeta" pen-drives no som do carro? Tudo isso só é possível graças à compressão de áudio proporcionada pelas tecnologias de digitalização, como a que criou o MP3 formato padronizado pela Sony em 1997. Desde então, a digitalização alterou profundamente não apenas a forma de se ouvir música, mas também a própria produção musical. Mas, se hoje todo mundo consome a música digitalizada, por que continuar acumulando toda aquela "tralha" de CDs e LPs?
Calminha aí. Se você ainda não se livrou dos seus discos, convém prestar atenção no que o roqueiro canadense Neil Young que será um dos palestrantes do primeiro dia do Fórum Global de Sustentabilidade do festival SWU, no sábado, dia 12 disse em entrevista à revista Veja do dia 26 de outubro: "Hoje a pessoa ouve um som formatado digitalmente de modo que possa ser reproduzido por pequenos fones de ouvido. Por melhores que sejam, esses fones reproduzem apenas 5% da riqueza musical que se pode saborear durante um show ao vivo ou com o uso de equipamentos sonoros analógicos".
O produtor Plínio Profeta, que trabalhou com Lenine no álbum Falange Canibal vencedor do Grammy Latino de Melhor Álbum Pop Contemporâneo em 2002 , entra na discussão: "O MP3 é genial, porque consegue reduzir bastante um arquivo enorme, com pouca perda. Mesmo assim, essa perda é considerável: algumas frequências são cortadas na digitalização, como os subgraves, que você não ouve, mas percebe no seu corpo". Para ele, o MP3 deveria ser uma forma de propagação e divulgação da música, mas acabou se tornando o formato padrão: "Você converte o seu disco para MP3 e nunca mais ouve o CD".
Mas o produtor aponta outra razão para esse suposto empobrecimento da música digitalizada: a "preguiça" dos músicos. "Antigamente, os músicos tocavam, erravam e repetiam até ficar bom. Eles tinham que se esmerar para tocar a música inteira", explica. "Hoje eles confiam muito nas ferramentas de edição e pós-produção (Pro Tools, Auto-Tune etc.), e todo esse aparato os deixou mais preguiçosos. Eles gravam de qualquer jeito e dizem ah, joga essa parte que ficou boa para lá, o que deixa a música com menos dinâmica."
O "antídoto" que Plínio Profeta tem usado é dar alguns passos atrás: "Tenho gravado muitos discos com os músicos tocando ao vivo, repetindo os takes quando alguém erra. Também permito que um instrumento vaze um pouco para o outro, como acontecia antigamente, porque esse vazamento dava um efeito de cola: a gente tinha a impressão de que todos estavam tocando no mesmo ambiente". Outro segredo é usar músicos de qualidade: "Você não vai sentir tanta diferença entre a música digital e a analógica se os músicos forem bons".
Mãos certas
O cantor, compositor e multi-instrumentista Ed Motta que também é arranjador e produtor defende que a tecnologia só compromete o resultado quando é usada por quem não entende de música: "Na mão errada, esses brinquedinhos viram armas letais, muletas para os sem talento se expressarem. Mas, para quem é do ramo, elas ajudam muito. Eu uso todas essas ferramentas a meu favor".
Conhecido por sua paixão pelos discos de vinil, Ed Motta no entanto não considera o bolachão a única maneira de se ouvir música com fidelidade sonora: "As nuances de um disco se perdem já na masterização, que dá aquela chapada para igualar as faixas. A compressão acaba com as dinâmicas da mixagem. Portanto, o produto mais fiel e viável ainda é o CD. Mas, se um MP3 for convertido a 330 kbps, o som é bem razoável", admite. "Eu ouço MP3 em viagens pela praticidade, mas em casa é sempre o vinil."
Redescoberta
Essa "promiscuidade" de Ed Motta entre os suportes reflete um comportamento cada vez mais comum entre os apreciadores da boa música. Afinal de contas, você pode ter o prazer de baixar um disco assim que ele "vaza" e ouvi-lo em seu iPod, sem deixar de comprar um vinil com fotos inéditas e se esbaldar com graves nunca antes percebidos.
Para Clenio Lemos, considerado o "o homem do vinil do Brasil", um formato não extingue o outro. Apaixonado pelos acetatos, Lemos trabalha na empresa tcheca GZ, uma das maiores prensadoras de vinis do mundo. E tem na ponta da língua a explicação para o crescente interesse por essa mídia: "O disco de acetato está, curiosamente, se transformando numa grande novidade, ao menos no mercado fonográfico brasileiro. Isso porque há novos processos de cortes, de masterização, que resultam em um disco extraordinário, de qualidade insuperável", diz o empresário, representante da empresa para a América Latina.
"Lançamos box especiais, com vinis, fotografias inéditas, camisetas, chaveiros e ingressos para os próximos shows. É como se sua banda favorita estivesse ali dentro", diz Clenio, citando o exemplo do U2. Um pacote como esse da banda irlandesa, recém-lançado pela GZ, custa cerca de R$ 2 mil.
Entre os artistas brasileiros, a febre também é grande. Revelação do rap nacional, Criolo já lançou três discos de vinil pela GZ. Wanessa Camargo, Emmerson Nogueira, Clube do Balanço e Planta e Raiz engrossam a eclética lista. "Quando o vinil era o suporte oficial, havia a preocupação por parte do artista em escolher qual música estaria no lado A e no lado B. E quem ouvia, dificilmente pulava músicas. Existia uma ordem, um conceito. Essa época está voltando", comenta Lemos.





