
A busca de uma psicanálise humanizada e descomplicada faz crescer, no momento, os grupos de estudos e a clínica prática em torno do pediatra e psicanalista britânico Donald Woods Winnicott (1896-1971). O psiquiatra e psicanalista Sérgio Belmont acaba de publicar O Dia em Que Che Guevara e Winnicott Se Encontraram (Revinter), um livro muito procurado e discutido no momento em que o revolucionário argentino volta ao cartaz, nos filmes de Steven Soderbergh que retratam sua trajetória Che e Che 2 A Guerrilha. Ao mesmo tempo, aumentam os círculos de estudos winnicottianos e os simpósios por todo o mundo. O Rio de Janeiro sediou no fim de semana de 30 de outubro a 1.º de novembro o 18.º Encontro Latinoamericano Winnicott Contemporâneo. No Pólo de Pensamento Contemporâneo, barômetro da intelligentsia carioca, o mês de novembro será marcado por um curso do renomado psicanalista Carlos Alberto Plastino sobre A Psicanálise e a Percepção da Natureza: de Freud a Winnicott, mostrando que Winnicott, com sua "fidelidade à heterodoxia", superou o paradigma moderno a partir de uma concepção da "natureza" e de sua relação com a "cultura". Enfim, da política à ecologia passando por outros temas da vida atual Winnicott é a grande referência psicanalítica neste final da primeira década do século 21.
Nascido em Plymouth, na Inglaterra, Donald Woods Winnicott desde cedo foi imerso num universo feminino, com a mãe depressiva e opressora , duas irmãs e uma babá. Foi o pai, um homem de negócios de mentalidade aberta, que encorajou sua saída para o mundo. A escolha da pediatria marcou profundamente sua formação psicanalítica e suas formulações teóricas, sempre oriundas de sua experiência clínica. Tudo para ele começa com o bebê, este grande egocêntrico que precisa aprender seus limites no mundo. Quando o bebê mama no seio da mãe, ele se vê como um deus onipotente, criador daquele seio. Sua percepção inicial da realidade será fundamental para seu crescimento como um ser humano autônomo. Em 1934, Winnicott foi aceito como analista na Sociedade Britânica de Psicanálise e, em 1935, como analista de crianças. "Naquele momento, nenhum outro analista era também pediatra e durante duas ou três décadas eu fui um fenômeno isolado." O tratamento de crianças e seus pais foi a experiência que levou às suas ideias originais. A relação mãe-bebê é o foco maior da teoria de Winnicott. "A mãe suficientemente boa começa com uma adaptação quase completa às necessidades do seu bebê e, à medida que o tempo corre, se adapta cada vez menos completamente, segundo a capacidade crescente da criança de lidar com o fracasso da mãe." A seriedade do papel social do terapeuta reflete-se nesta frase: "Toda análise fracassada é um fracasso não do paciente, mas do analista."
O psicanalista Carlos Lannes, num texto introdutório para o Encontro Latinoamericano do Rio, pergunta (e responde) Por que Winnicott? "Quando a ele recorremos em momentos de dificuldades, dúvidas, exigências e impasses na nossa prática, seu modo de pensar e estilo de escrever têm algo de confortante, de consolo, de holding. A finalidade de uma análise para Winnicott é capacitar o paciente a uma abordagem criativa da vida, a uma licença poética para a vida, e o espaço onde ela acontece é o espaço do play, palavra bem mais abrangente do que sua tradução para o português permite." Alguns aforismos de Winnicott dão bem uma ideia do seu humor peculiar.
"A vida tem um tom depressivo, exceto nos feriados."
"É uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser achado."
"Ó Deus! Permita que eu esteja vivo no momento da minha morte."
Impossível fazer num artigo de jornal uma síntese de Winnicott. E a síntese é difícil até para os próprios psicanalistas ao longo de anos de prática. Como definiu Carlos Lannes, a obra de Winnicott é "uma produção vasta, escrita num estilo aparentemente simples, mas contendo ideias e noções extremamente complexas. Como afirmou, ele não propunha um ensino e disse que, se quiséssemos aprender algo com ele, teríamos de garimpar."
É este garimpo global que torna o pensamento de Donald Winnicott tão fascinante e atual.




