Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
SIGMUND FREUD (1856-1939)

Nem Freud, nem Lacan: “o cara” é o Winnicott

Morto há 38 anos, pediatra inglês de humor peculiar é a grande referência psicanalítica neste final da primeira década do século 21

Benicio Del Toro no filme Che 2 – A Guerrilha, de Steven Soderbergh: encontro do revolucionário argentino com Winnicott virou tema de livro no Brasil | Divulgação
Benicio Del Toro no filme Che 2 – A Guerrilha, de Steven Soderbergh: encontro do revolucionário argentino com Winnicott virou tema de livro no Brasil (Foto: Divulgação)
Conheça mais dos seguidores de Freud e os novos rumos trilhados |

1 de 1

Conheça mais dos seguidores de Freud e os novos rumos trilhados

A busca de uma psicanálise humanizada e descomplicada faz crescer, no momento, os grupos de estudos e a clínica prática em torno do pediatra e psicanalista britânico Donald Woods Winnicott (1896-1971). O psiquiatra e psicanalista Sérgio Bel­­mont acaba de publicar O Dia em Que Che Guevara e Winnicott Se Encontraram (Revinter), um livro muito procurado e discutido no momento em que o revolucionário argentino volta ao cartaz, nos filmes de Steven Soderbergh que retratam sua trajetória — Che e Che 2 – A Guerrilha. Ao mesmo tempo, aumentam os círculos de estudos winnicottianos e os simpósios por todo o mundo. O Rio de Janeiro sediou no fim de semana de 30 de outubro a 1.º de no­­vembro o 18.º En­­contro La­­ti­­no­­americano Winni­cott Con­­tem­­porâneo. No Pólo de Pen­­samento Contem­po­râneo, barômetro da intelligentsia carioca, o mês de novembro será marcado por um curso do renomado psicanalista Carlos Alberto Plas­­tino sobre A Psicanálise e a Perce­­pção da Natureza: de Freud a Winnicott, mostrando que Win­nicott, com sua "fidelidade à he­­te­­rodoxia", superou o paradigma moderno a partir de uma concepção da "natureza" e de sua relação com a "cultura". Enfim, da política à ecologia — passando por outros temas da vida atual — Winnicott é a grande referência psicanalítica neste final da primeira década do século 21.

Nascido em Plymouth, na Inglaterra, Donald Woods Winnicott desde cedo foi imerso num universo feminino, com a mãe — depressiva e opressora —, duas irmãs e uma babá. Foi o pai, um homem de negócios de mentalidade aberta, que encorajou sua saída para o mundo. A escolha da pediatria marcou profundamente sua formação psicanalítica e suas formulações teóricas, sempre oriundas de sua experiência clínica. Tudo para ele começa com o bebê, este grande egocêntrico que precisa aprender seus limites no mundo. Quando o bebê mama no seio da mãe, ele se vê como um deus onipotente, criador daquele seio. Sua percepção inicial da realidade será fundamental para seu crescimento como um ser humano autônomo. Em 1934, Winnicott foi aceito como analista na Sociedade Britânica de Psicanálise e, em 1935, como analista de crianças. "Naquele momento, nenhum outro analista era também pediatra e durante duas ou três décadas eu fui um fenômeno isolado." O tratamento de crianças e seus pais foi a experiência que levou às suas ideias originais. A relação mãe-bebê é o foco maior da teoria de Winnicott. "A mãe ‘suficientemente boa’ começa com uma adaptação quase completa às necessidades do seu bebê e, à medida que o tempo corre, se adapta cada vez menos completamente, segundo a capacidade crescente da criança de lidar com o fracasso da mãe." A seriedade do papel social do terapeuta reflete-se nesta frase: "Toda análise fracassada é um fracasso não do paciente, mas do analista."

O psicanalista Carlos Lannes, num texto introdutório para o Encontro Latinoamericano do Rio, pergunta (e responde) Por que Winnicott? "Quando a ele recorremos em momentos de dificuldades, dúvidas, exigências e impasses na nossa prática, seu modo de pensar e estilo de escrever têm algo de confortante, de consolo, de holding. A finalidade de uma análise para Winnicott é capacitar o paciente a uma abordagem criativa da vida, a uma ‘licença poética’ para a vida, e o espaço onde ela acontece é o espaço do play, palavra bem mais abrangente do que sua tradução para o português permite." Alguns aforismos de Winnicott dão bem uma ideia do seu humor peculiar.

"A vida tem um tom depressivo, exceto nos feriados."

"É uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser achado."

"Ó Deus! Permita que eu esteja vivo no momento da minha morte."

Impossível fazer num artigo de jornal uma síntese de Winnicott. E a síntese é difícil até para os próprios psicanalistas ao longo de anos de prática. Como definiu Carlos Lannes, a obra de Winnicott é "uma produção vasta, escrita num estilo aparentemente simples, mas contendo ideias e noções extremamente complexas. Como afirmou, ele não propunha um ensino e disse que, se quiséssemos aprender algo com ele, teríamos de ‘garimpar’."

É este garimpo global que torna o pensamento de Donald Winnicott tão fascinante e atual.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.