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Jornalismo policial

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Reportagens sobre crimes ganham ares de folhetim e causam comoção nacional. O gênero, historicamente, já contou com os textos de grandes profissionais da imprensa

Em março de 2008, o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, foi acusado de atirar a menina Isabella Nardoni, de cinco anos, do sexto andar do prédio onde morava a família | Grizar Júnior/ Futura Press
Em março de 2008, o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, foi acusado de atirar a menina Isabella Nardoni, de cinco anos, do sexto andar do prédio onde morava a família (Foto: Grizar Júnior/ Futura Press)

Num país onde o crime anda à solta, o jornalismo policial tem se revelado, historicamente, um verdadeiro prodígio. Atraiu para suas fileiras alguns dos mais intrépidos e talentosos repórteres da imprensa nacional em todos os tempos – inclusive no estilo, como o de David Nasser, talvez o mais notório de todos. Outros foram verdadeiros personagens da vida real, mas dignos de figurar em algum romance de mistério. Sem falar, claro, nos personagens de fato, e suas trágicas histórias, que esses repórteres imortalizaram nas páginas folhetinescas e melodramáticas de revistas e jornais brasileiros entre as décadas de 50 e 90 (leia quadro pág. 4).

A partir daí, a televisão assume definitivamente o que alguns estudiosos têm chamado de "espetacularização" ou "folhetinização" da notícia, particularmente quando se trata de crimes, grandes tragédias, fatos pitorescos e escandalosos envolvendo celebridades (leia texto e artigo págs. 3). Mas, muito antes de se tornar onipresente na telinha, proporcionando a transição perfeita do Jornal Nacional à novela das oito, esse tipo de história já encantava, literalmente, multidões.

Não por acaso o folhetim do século 19 – romances em capítulos, as novelas da época, que ocupavam o rodapé da primeira página dos jornais – rapidamente teve de ceder espaço, e dividir o rodapé, com o fait divers: "Uma notícia extraordinária, transmitida de forma romanceada, num registro melodramático, que vai fazer concorrência ao folhetim e muitas vezes suplantá-lo nas tiragens", conforme o define Marlyse Meyer, no livro Folhetim: Uma História (Cia. das Letras). Valia para os jornais de cem ou 150 anos atrás; vale para a televisão – e, muitas vezes, ainda para os jornais – de hoje.

É o que mostra uma breve retrospectiva do noticiário policial de 2008, infelizmente pródigo em tragédias acompanhadas em ritmo de novela por telespectadores e leitores de todo o país. Em março, um casal, pai e madrasta da vítima, foi acusado de atirar a menina Isabella Nardoni, de cinco anos, do sexto andar do prédio onde morava a família. Garantia de melodrama – e audiência, publicidade, lucro – por semanas a fio. Seis meses depois, em outubro, foi a vez do Caso Eloá, a adolescente mantida em cativeiro por vários dias até ser morta pelo seqüestrador e, como ela, jovem ex-namorado. Tudo mostrado ao vivo.

"Foi uma novela escrita ao mesmo tempo em que acontecia. O público acompanhava esperando ‘os próximos capítulos’. Pejorativamente, a expressão ‘é uma novela’ pode ter sido usada pela mídia, afinal foram alguns dias para se chegar, infelizmente, a um desfecho trágico", comenta a pesquisadora Sonia Lanza, doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que afirma ainda: "Depois o público se esquece do fato até que outra ‘novela-notícia’ esteja em evidência" – o que fez o ombudsman do jornal Folha de S. Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, se perguntar: "Quem se lembra do caso Isabella?", indignado título de sua coluna dominical no auge da cobertura do seqüestro de Santo André.

O escritor Bernardo Ajzenberg, ele próprio ex-ombudsman do mesmo jornal, resumiu essa estranha compulsão do jornalismo – e, claro, sobretudo do distinto público – pela tragédia da vida real vista como novela. Em artigo para o número inaugural da revista msg, dedicada a grandes temas da comunicação e da cultura, Ajzenberg escreve que "certo jornalismo, insatisfeito com seus próprios limites, expande-se, hoje, como se almejasse as asas da literatura". E completa: "Como se esse jornalismo quisesse, acomodando-se a cada público, elaborar o seu Madame Bovary ou a sua novela das oito – tudo, em tese, com base em fatos reais, é lógico".

Curiosamente, ao contrário de outras literaturas nacionais, a brasileira não conseguiu desenvolver muito sua vertente policial. São poucos os autores de talento que se dedicam ao gênero: Luiz Alfredo García-Roza é, hoje, o principal deles; Rubem Fonseca é um clássico não exatamente policial mas, à sua maneira, um cronista do submundo e do crime, assim como foi, em estilo totalmente diverso e peculiar, João Antônio. Mas a verdade é que não temos nosso Sherlock, nosso Maigret ou, ainda, o clássico personagem do tira charmoso e durão – a própria lei encarnada, e violenta quando necessário – como é comum nas histórias policiais norte-americanas e inglesas.

Há quem diga ser impossível uma tradição desse tipo num país em que a polícia tantas vezes se confunde com o ladrão ou, pior, no qual em tantas situações vale o adágio: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. Daí a curiosa personalidade dos "heróis" de García-Roza – o pacato detetive Espinosa – e de Rubem Fonseca – o advogado de porta de cadeia Mandrake ou o soturno tira Guedes, de Bufo & Spallanzani. Chega a ser um desafio de verossimilhança: quem acreditaria num "mocinho" patrulhando as ruas e os morros do Rio de Janeiro e, no final, vencendo os "bandidos"? O noticiário acaba sendo mais convincente.

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