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Brasília – As sessões foram tensas para o público no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2006, que tem cerimônia de encerramento prevista para hoje à noite no Teatro Nacional. Dá para contar nos dedos os poucos momentos de desafogo e descanso do evento. Desde quarta-feira passada, quando o documentário Jardim Ângela, de Evaldo Mocarzel abriu a mostra competitiva de longas, até domingo, com Baixio das Bestas, de Cláudio Assis (esta edição foi fechada antes do documentário Encontro com Milton Santos, de Silvio Tendler, apresentado na noite de ontem), foi praticamente uma paulada atrás da outra na platéia – a violência, nas mais diversas formas, foi o aspecto mais marcante das produções.

Tudo de acordo com o tradicional perfil político da mostra candanga, a mais antiga competição de filmes do país. Mas, em 2006, talvez a organização tenha exagerado na dose. A exigência do ineditismo certamente colaborou para uma seleção tão pesada – outros bons filmes do ano nem tentaram uma vaga em Brasília por já terem sido apresentados no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, limitando as escolhas do júri de seleção. Não há nenhuma produção ruim este ano em Brasília, mas também não há nada que empolgue muito, como em outras edições – todos os filmes apresentados têm problemas, alguns mais sérios, outros nem tanto.

Competidores

O diretor Evaldo Mocarzel parece ter ficado fascinado por um dos personagens de seu documentário, que mostra o resultado de uma oficina de vídeo digital realizada com jovens do Jardim Ângela, da periferia de São Paulo. Washington, menino que já levou tiros e ficou preso na Febem, domina boa parte do filme com depoimentos sobre sua vida violenta, dos quais muitos parecem encenados, pois sabe que está falando com a câmera. Jardim Ângela só cresce no final, quando os demais participantes da oficina confrontam o rapaz.

Apresentado na quinta, Querô, do estreante Carlos Cortez, tem como principal trunfo o forte texto do dramaturgo Plínio Marcos, no qual o roteiro é baseado. A trama fala de um menino da Baixada de Santista, criado de forma violenta e que responde o mundo que o acolheu com muito mais violência. A montagem de Paulo Sacramento e a boa atuação do novato Maxwell Nascimento no papel-título também são aspectos a se destacar. Mas a produção não surpreende, não apresentando nada de novo em relação ao tema ou mesmo no formato do filme. Querô foi o filme que recebeu a resposta mais positiva da platéia nas sessões do Cine Brasília.

Na sexta, O Engenho de Zé Lins, do documentarista Vladimir Carvalho, contou histórias sobre o importante escritor brasileiro (autor de O Menino do Engenho), algumas muito divertidas, como as relacionadas ao seu fanatismo pelo Flamengo. Do documentário feito em formato dos mais tradicionais, vale ressaltar o depoimento emocionado de Thiago de Mello, um dos maiores amigos de José Lins do Rego, que relata os últimos momentos do parceiro, morto em 1955. Mas mesmo nesse único respiro para os espectadores do festival, a violência também se fez presente, na origem do escritor, cujo pai matou a mãe – história revelada há apenas alguns anos por uma prima; além disso, o próprio José Lins matou uma outra criança quando pequeno. O filme também foi aclamado pelo público do festival, principalmente porque o respeitado diretor paraibano é radicado há décadas na capital federal.

Em Batismo de Sangue, competidor de sábado, Helvécio Ratton realiza mais um filme brasileiro sobre o período militar dos anos 70, dessa vez centrado nos religiosos que participaram do movimento rebelde, como o conhecido Frei Betto, autor do livro homônimo no qual a trama é inspirada. A produção apresenta, talvez, as mais pesadas cenas de tortura da história do cinema nacional. Mas tem um roteiro que se perde nos diálogos empolados e engajados, além de não conseguir explorar a grande potencialidade dramática do personagem mais interessante da história, o frei Tito, vivido por Caio Blat. Daniel de Oliveira, como Frei Betto, e Cassio Gabus Mendes, como o temido delegado Fleury, se destacam no elenco.

Como bem lembrou um crítico paulista na saída da sessão de domingo, Baixio das Bestas faz o polêmico Amarelo Manga parecer um filme feito para crianças. Impactado e perplexo, o público brasiliense recebeu a produção de forma contida. Violentíssimo, sádico, misógino, são alguns dos adjetivos que podem ser atribuídos ao novo filme do pernambucano Cláudio Assis. Além de causar polêmica, a única função da fita parece ser a de agredir a platéia. Ao contrário de Amarelo Manga, Baixio das Bestas não tem um roteiro muito estruturado ou personagens bem desenvolvidos. Tecnicamente, é inatacável, com o ótimo trabalho dos atores, a bela fotografia de Walter Carvalho e a competente direção de Cláudio Assis. A se debater a sua virulência, que apenas choca, não fazendo pensar e refletir, e que continua a dividir a crítica presente no evento.

Curtas

Como tem acontecido nos últimos festivais, os curtas-metragens 35mm apresentados em Brasília também foram decepcionantes. Alguns dos novos realizadores se perderam tentando fazer filmes pretensiosos demais, mas sem ter o mínimo estofo para essa tarefa – outros investiram apenas na velha fórmula da historinha engraçada. A se destacar apenas Noite de Sexta Manhã de Sábado, de Kleber Mendonça Filho, romântico e simples na realização, e o resgate promovido pelo veterano Thomaz Farkas em Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba, que revela um filme perdido por mais de 50 anos, com imagens de uma apresentação do importante músico brasileiro e seu grupo.

O repórter viajou a convite do Festival de Brasília.

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