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O avesso da princesa

Anne Hathaway protagoniza drama sobre uma dependente química em recuperação que retorna ao ambiente familiar para a boda da irmã

Kym (Anne Hathaway): saída de uma clínica de reabilitação, é cercada de cuidados para não desmoronar | Divulgação
Kym (Anne Hathaway): saída de uma clínica de reabilitação, é cercada de cuidados para não desmoronar (Foto: Divulgação)

Acontece com frequência: quando uma das pessoas sofre de uma enfermidade realmente grave, que exige cuidado constante, como uma doença psiquiátrica ou um vício, todo o entorno familiar se organiza ao redor dela, em função daquele problema.

Com esse arranjo, uma família disfuncional encontra sua maneira de não desmoronar. Tanto que, se o problema deixar de existir, os outros integrantes correm o risco de se descobrir perdidos, sem o ponto de apoio sobre o qual erguiam suas vidas.

Embora o motivo da reunião familiar em O Casamento de Rachel seja, como sugere o nome do filme, uma festa de matrimônio, o foco em questão não é o enlace, muito menos a noiva. Rachel (Rosemarie DeWitt) é uma mulher positiva e segura de suas escolhas, no caso, atar sua vida à do noivo Sidney (Tunde Ade­bimpe, vocalista da banda TV on the Radio). Seu papel no roteiro é servir de contraponto à desajustada irmã, Kym. A verdadeira protagonista, interpretada por uma Anne Hathaway muito distante das personagens principescas que a projetaram no início de carreira.

Kym é dependente química. Sua saída temporária de uma clínica de reabilitação para testemunhar o casamento da irmã é cercada de cuidados por parte dos parentes. Tratam-na como um objeto quebradiço, pronto a se esfacelar ao mais leve toque sem-jeito. Ironicamente, en­­quanto todos os preparativos cir­­cundam a boda iminente, o centro das atenções se desloca para ela. E a personagem, narcísica, se alimenta disso.

Anne Hathaway, indicada ao Oscar de melhor atriz, não se contenta com sutilezas – o que não significa, por outro lado, uma interpretação exagerada. Sua postura e expressão facial transmitem o peso da culpa carregada por Kym. De ser alguém que não consegue se encaixar no ambiente em que vive nem medir suas palavras e atos, e, por isso, distribui farpas e mágoas.

A personagem traz as feridas de uma tragédia (segredo que o roteiro revela aos poucos) ainda abertas. Como não cessaram de doer, não lhe dão descanso nunca. Seu mundo é desesperançado – o contrário da irmã.

O diretor Jonathan Demme, de O Silêncio dos Inocentes (que volta à ficção depois de anos dedicados a documentários e registros musicais), paga tributo a Festa de Família, obra inicial do movimento Dogma, tanto na temática abordando zonas delicadas do relacionamento familiar quanto na estética realista.

A câmera segue os personagens frouxa, instável como Kym. Os atores foram dispensados de ensaios, e as músicas, executadas ao vivo, entraram naturalmente na história pelo pendor artístico do personagem Sidney, um músico havaiano. Estratégias para iludir um realismo não-encenado.

É curioso, a propósito, que se trate de um casamento interracial, sem que o assunto preconceito entre em pauta. No fim das contas, é um pouco disso que o filme trata. Enquanto as outras pessoas lidam com seus traumas sem paralisar, tomam decisões importantes e seguem em frente contornando os percalços, uma – Kym – não é capaz. GGGG

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