
Os diretores de Sassaricando estão curiosos. O musical que carrega o subtítulo E o Rio Inventou a Marchinha sai pela primeira vez do palco carioca do Teatro Sesc Ginástico, no Rio de Janeiro, onde estreou em janeiro deste ano, para irromper no Guairão em duas apresentações para o público curitibano. A inquietude explica-se: ao contrário da capital fluminense, que é a maior passarela de carnaval no país e o berço das marchinhas, a paranaense não é exatamente conhecida pelo espírito carnavalesco. "Será que em Curitiba as pessoas vão querer saber o que aconteceu no Rio?" questiona-se Rosa Araújo.
A historiadora divide a direção geral, concepção e roteiro do espetáculo com o jornalista Sérgio Cabral, um dos fundadores do Pasquim e o autor dos livros Nara Leão Uma Biografia e As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. "O musical tem um lado muito carioca, moleque e informal. Estamos com uma grande expectativa", confessa. O sentimento é partilhado pelo diretor do espetáculo, Cláudio Botelho, um mineiro que há mais de duas décadas vive em solo carioca, onde verteu para o português os musicais My Fair Lady e O Fantasma da Ópera, assina Sweet Charity (com Cláudia Raia) e é diretor musical de A Ópera do Malandro um currículo mais do que invejável.
A aposta do trio é que a memória emotiva da platéia seja despertada pelas canções conhecidas, como "Cidade Maravilhosa", "O Teu Cabelo não Nega", "Mamãe Eu Quero", "Chiquita Bacana"e a própria "Sassaricando". Ao todo, são 87 marchinhas escolhidas entre as mais de mil que os amigos Sérgio Cabral e Rosa Araújo ouviram em um ano de pesquisa. A principal fonte de descobertas da dupla foi o acervo reunido por Cabral nas últimas quatro décadas. "Antigamente, eu morava em uma casa que tinha um arquivo. Hoje, eu moro em um arquivo que tem uma casa", diverte-se.
O jornalista recorda que a idéia de trabalhar com as marchinhas foi uma sugestão feita por Rosa há três anos. Na época, ela pensava em transformar a pesquisa em um documentário para televisão. Foi Cabral quem preferiu levá-la ao palco, dando início à criação do musical Sassaricando e de um álbum duplo homônimo, lançado pela gravadora Biscoito Fino.
Ao longo do trabalho de pesquisa, algumas marchinhas pouco conhecidas impressionaram os diretores e foram incluídas no projeto, entre elas, "Coitadinho de Papai", "Diabo sem Rabo" e "Quem É o Tal?". Mais tarde, as músicas escolhidas ganharam novos arranjos pelas mãos do diretor musical Luís Filipe de Lima, que buscou uma faceta mais contemporânea para as composições, sem a intenção de reinventá-las, e recriou introduções para muitas delas.
Ambientado em um salão de baile art déco que evoca os anos 20, no qual se destaca um aparelho de rádio antigo, como se dali saíssem os sons das marchinhas, Sassaricando traz à cena os cantores Eduardo Dussek e Soraya Ravenle como solistas, Sabrina Korgut, Juliana Diniz, Pedro Paulo Malta e Alfredo Del Penho. Pelo cenário criado por Charles Möeller, desfilam figuras de uma sociedade carioca ainda ingênua, em que até a malícia tinha mais inocência. Os vários tipos interpretados pelos seis atores-cantores dão vida às histórias narradas nas letras das marchinhas. "São uma crônica musical dos costumes, sempre com muita sátira e humor", define Rosa.
Ao vivo, os músicos Dirceu Leite, Silvério Pontes e Fabiano Segalot (sopros), Beto Cazes e Fábio Cazes (percussão), Oscar Bolão (bateria), Henrique Cazes e Alessandro Valente (cavaquinho) e Luís Filipe de Lima e Thiago Prata (violão de sete cordas) darão o tom aos dois atos em que se divide o espetáculo. A narrativa é conduzida pelas canções, praticamente sem intervenção de diálogos. "O texto é a letra da música. Para que isso seja bem claro e fique agradável, é necessário uma movimentação e uma postura no palco muito especiais", comenta Cabral.
As marchinhas criadas entre as décadas de 20 e 70 foram divididas em temas, a começar por comportamento, vida doméstica e familiar, trabalho, finanças, política, tipos físicos, preconceito e carnaval. Para dar ordem à narrativa, Botelho conta que tratou cada marchinha como uma história com começo, meio e fim.
"O primeiro passo foi tentar entender que tipo de espetáculo aquele material poderia gerar", lembra. "O resultado é uma revista não uma revista brasileira dos anos 30, mas nos moldes americanos, em que o espetáculo não tem enredo, está ligado por assuntos ou pelo autor", explica. E revela: "Não conta nenhuma história; mas conta várias histórias".
Serviço: Sassaricando. Guairão (Pça. Santos Andrade, s/nº), (41) 3304-7982. Hoje e amanhã, às 20h30. Ingressos a R$ 26 e R$ 13 (meia).



