
O disco Ária, de 2010, foi a realização de um anseio de Djavan, que queria um álbum todo dedicado a criações de diversos autores do cancioneiro brasileiro. Mas, entre todo o processo de sua produção e seus desdobramentos turnê e gravação de DVD ao vivo , foi também um sacrifício para o artista, que desde os 18 anos mantém uma relação visceral (e fecunda) com a composição. "Tive de fazer esse esforço para não compor, senão o Ária não sairia", lembrou Djavan, em uma coletiva transmitida pela internet no dia 5 de setembro.
Um dia depois, em entrevista por telefone para a Gazeta do Povo, o artista alagoano explicou que tanto tempo sem compor o afetou a ponto de achar que teria "uma dificuldade enorme" para voltar às criações. "Foi difícil pelo hábito, pela necessidade de me revelar", conta.
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O efeito, na verdade, foi oposto quando o músico começou a conceber Rua dos Amores, seu primeiro trabalho de inéditas desde Matizes, de 2007.
Habituado a criar as músicas e então escrever as letras nos últimos anos, Djavan se viu com um grupo de cinco canções prontas em cerca de três meses todas já rematadas com a poesia singular que caracteriza seu trabalho. "Achei que até fez bem esse tempo", diz. O restante das 13 faixas foi reservado para o período das gravações ambiente inspirador para o compositor, ávido pelo frescor da criação no momento de seus registros.
Amores
A primeira canção a quebrar o jejum foi "Vive", composta para Maria Bethânia, que a incluiu em seu Oásis de Bethânia, lançado em março portanto, a única não inédita de Rua dos Amores. Título que surgiu de um conceito percebido por Djavan nas composições que foi criando: o amor como elo de sentimentos em suas formas distintas. O que termina ("Já Não Somos Dois"), o platônico que se realiza ("Anjo de Vitrô"), o que não prospera ("Triste É o Cara").
"Até quis quebrar o elo e fiz uma sátira política", explica Djavan, sobre a faixa "Pode Esquecer", que diz: "Na nova ordem geral/ De um novo comando/ Abstinência moral/ É crime hediondo!".
"Achei que ela ficou muito bem no disco, porque é como se fosse um momento de puxar o ar para poder voltar o tema. Mas não foi proposital. Não sentei para fazer um disco temático. Queria fazer disco livre como sempre", diz.
Estética
A ausência de amarra conceitual na hora da criação corresponde à mesma liberdade artística reivindicada por Djavan para toda a sua obra. Em Rua dos Amores, o cantor e compositor é também o produtor e arranjador do disco, que conta com o retorno da banda que já não o acompanhava há 15 anos.
O resultado reflete uma "evolução sutil, mas constante" que o artista diz perseguir. "Claro que é um estilo nítido, inequívoco, porque tenho um estilo pessoal, desde sempre. Mas tem evolução, em todas as funções harmonia, melodia, letra, arranjos", avalia Djavan, diante de um trabalho que traz, novamente, seu característico pop sofisticado, embalado pela música brasileira com influências do jazz, do blues, de tudo que o inspira.
Influência, aliás, que foi um dos resultados da imersão de Djavan na música brasileira, de Villa-Lobos aos compositores contemporâneos, para a escolha do repertório de Ária. "Isso me trouxe referências" diz Djavan. "E, principalmente, trouxe a certeza absoluta de que estou no caminho certo, ao menos para me satisfazer. Trabalhar com a diferença, com a diversidade, e, principalmente, insistir na busca pela novidade é isso o que vai me manter. Se eu não tiver ao menos a ilusão de que estou sendo novo, de que estou trazendo frescor, eu paro."




