
Como diretores, os irmãos Ben e Casey Affleck não apresentam folha corrida relevante como os belgas Luc e Jean Pierre Dardenne. Ou como os norte-americanos Joel e Ethan Coen, até porque não assinaram seus filmes em fraterna parceria pode ser que isso ocorra um dia, embora o DNA dos dois, exposto aqui, não avalize identidade de neurônios criativos. Mas, pelas carreiras de ambos, em especial em frente às câmeras, e também pela explícita e pegajosa tietagem da mídia italiana, em permanente subordinação ao modelo Hollywood, os Affleck atraíram todas as atenções, nas salas e fora delas, com direito a frenesi no tapete vermelho.
O filme de e com Ben, o thriller policial The Town, recebeu foco extraordinário por óbvias razões comerciais, já que está sendo lançado nos Estados Unidos e em alguns países da Europa na próxima sexta-feira. E ainda porque é pelos canais venezianos que Hollywood começa a colocar na plataforma do Oscar seus lançamentos mais ambiciosos deste segundo semestre.
O documentário de Casey, Im Still Here, colheu generosos espaços eletrônicos e impressos pela mesma razão, mas também por seu viés transgressor. No centro do argumento documental de Casey, a figura recentemente polemica de Joaquin Phoenix. Que esteve em Veneza, mas não esteve em Veneza. Isto é, foi visto e fotografado circulando normalmente pelas ruas do Lido e bebendo em bares próximos ao Palazzo Del Cinema, bem vestido, barbeado e aparentemente centrado bem o contrário de como aparece no filme. Só não deu as caras na coletiva e foi à sessão oficial na Sala Grande, entrando mudo e saindo calado do festival.
À moda hollywoodiana
The Town é mais um desses thrillers carregados de ação e esquálidos em emoção genuína, carente de intriga instigante e personagens mais sólidos, de dramaturgia consistente. A trama se passa em Charleston, bairro de Boston onde, segundo o próprio Affleck, com base em estatística oficial, no espaço de um ano está concentrado o maior número de assaltos a bancos no planeta. E em consequência, também a maior concentração de assaltantes.
O filme é a história de um desses roubos e seus desdobramentos. Na coletiva, Affleck disse que The Town deve muito a Gomorra, drama sobre a máfia napolitana de Matteo Garrone. Obviamente, uma injustificada e diplomática retribuição ao evidente exagero de elogios feitos pelos italianos ao filme.
Ben interpreta Doug, o cérebro da quadrilha. Seu mais próximo coadjuvante na criminalidade é Jem (Jeremy Renner, de Guerra ao Terror), um quase irmão, mas um tipo violento. Durante um assalto, Jem decide levar como refém a funcionária do banco Claire (Rebecca Hall, de Vicky Cristina Barcelona). O FBI entra em cena (Jon Hamm, da série Mad Men), enquanto Doug se envolve afetivamente com a refém-testemunha.
Nada além de um filme de gênero, realizado em linha industrial de montagem, reciclando clássico material déja-vù. Após duas horas, um final agridoce e muito barulho por nada, as perseguições de sempre, conflito entre amizade e traição. Tão somente puro passatempo.
Um reality-show-doc?
No mínimo estranho, quando não bizarro, é o caso Im Still Here. Paranóico ou bipolar ? Real ou fake ? Perguntas difíceis de calar e respostas ainda mais difíceis de encontrar, diante dos fatos reais conhecidos e do documentário do diretor estreante Casey Affleck como ator já bem provado na trilogia Onze Homens e Um Segredo e em O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, pelo qual foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante.
Consta que a grande angústia de Joaquin Phoenix quando há três anos decidiu partir para radicalizar sua carreira de ator para musico rapper foi que a mídia concluísse que a mudança de rumos profissionais era uma só uma jogada, uma mistificação marqueteira. Para Casey (cunhado de Joaquin), o longo delírio existencial de Joaquin retratado no documentário sem roteiro previamente escrito não é, de fato, um reality show.
Na coletiva, Casey disse que o acordo do Joaquin era que ele dividisse com ele todos os aspectos de sua vida por um ano e meio.
Na verdade, o filme é uma trip de ambos, já que tanto quem está permanentemente no quadro e quem está por trás da câmera fazem um jogo dúbio, indecisos entre a radicalização absoluta contra tudo e todos e o meio termo da moderação. Nessa zona cinzenta é que o filme se perde, deixando de ser um duro retrato da roda-viva do ídolo esmagado entre o "ser" e o "parecer" para optar por uma sessão psicanalítica que logo leva o espectador ao desinteresse, ao enfado, à irritação.





