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Lançamento

O desafio de filmar Jorge Amado

Capitães da Areia, longa-mentragem baseado no livro do escritor baiano, narra o dia a dia de um bando de garotos de rua que sobrevivem de pequenos golpes

Roteiro de Capitães da Areia não consegue dar conta dos muitos integrantes da gangue imaginada por Jorge Amado | Divulgação
Roteiro de Capitães da Areia não consegue dar conta dos muitos integrantes da gangue imaginada por Jorge Amado (Foto: Divulgação)

Levar para o cinema um romance clássico, lido por sucessivas gerações, é sempre um negócio arriscado. As comparações são inevitáveis e, com frequência, tendem a reforçar a ideia de que o livro é, quase sempre, melhor do que o filme. Por isso, há que se louvar a coragem de Cecília Amado de enfrentar o desafio de transpor para a tela grande Capitães da Areia, uma das mais populares obras de seu avô, o escritor baiano Jorge Amado, e que agora é lançada em DVD.

Publicado em 1937, Capi­­tães da Areia mostra o dia a dia ao mesmo tempo lúdico, violento e trágico de um bando de garotos de rua que sobrevivem de pequenos furtos e golpes aplicados nas ruas de Salvador. Moram todos juntos nas ruínas de um casarão à beira-mar, em um lugar que chamam de Trapiche. Têm como líder o audaz Pedro Bala, que, embora seja um pequeno contraventor, tem o papel de herói do romance de Amado, que sobreviveu bastante bem ao tempo, graças à atualidade da trama, que lida com mazelas sociais que continuam a afligir o país mais de 70 anos após o lançamento da obra.

Trama

Cecília, que também é coautora do roteiro, ao lado de Hélio Fernandes, acerta, todavia, ao não trazer a trama para os dias atuais. Embora a marginalidade juvenil continue a ser um flagelo nas cidades brasileiras, atualizar o enredo de Capitães da Areia acarretaria incluir elementos contemporâneos, como, por exemplo, o uso de drogas, como crack, que talvez acabassem por roubar da história original um de seus traços fundamentais: a visão algo romântica, ainda que pretensamente realista, das aventuras e desventuras do bando de Pedro Bala, vivido com desenvoltura pelo adolescente Jean Luis Amorim.

O respeito da jovem cineasta pela obra do avô, no entanto, tem lá seu preço. Na ânsia de não deixar de lado subtramas, de manter em cena todos os personagens centrais, o filme peca por uma certa falta de fluidez narrativa e pelo fato de algumas dessas histórias paralelas serem mal desenvolvidas, chegando até mesmo a confundir o espectador.

Família abastada

Exemplo disso é o golpe aplicado pelos meninos em uma abastada família soteropolitana. Um dos capitães, o amargurado Sem Pernas (Israel Gouvêa), que enfrenta dificuldades de locomoção por conta de um defeito físico, é adotado por um casal em luto depois da morte de seu único filho. Apesar de ser recebido com todo o carinho e atenção, ele só está ali para facilitar aos seus companheiros o acesso à bela mansão e seus tesouros. O filme não consegue explicar muito bem como ou por que Sem Pernas é adotado, o que torna o episódio todo, importante dentro do enredo, bastante desconectado do resto da narrativa, parecendo gratuito. No livro, ele é bem mais complexo.

O roteiro também não consegue dar conta dos muitos integrantes da gangue que habita o Trapiche. Enquanto o precoce Gato (Paulo Abade) e seu caso de amor com a prostituta Dalva (Ana Cecília) é um dos pontos altos do filme, os conflitos internos entre os capitães, incluindo aí os relacionamentos homossexuais entre alguns dos garotos, são apenas sugeridos e pouco desenvolvidos e problematizados. Esse "pudor" não se justifica, uma vez que o romance teve justamente a coragem de falar de temas considerados tabus.

Romance

A ênfase maior acaba sendo dada ao romance entre Pedro e Dora (Ana Graciela, um dos destaques do bom elenco jovem), uma garota cujos pais morrem em um surto de varíola que se abate sobre a capital baiana e a leva a ingressar na gangue.

A direção de Cecília tem bons momentos. De maneira geral, é competente seu trabalho na condução dos atores jovens, e há algumas belas cenas, sobretudo aquelas em que nada de muito importante parece estar acontecendo e os garotos estão em cena no seu jogo lúdico com a realidade. Pena que a onipresente trilha sonora de Carlinhos Brown, sobretudo o excesso de canções com letras, não nos permitam que essas imagens sejam desfrutadas pelo que são, lhes conferindo sentidos desnecessários.

Apesar desses defeitos, Capitães da Areia é um filme digno, forte e que merece ser visto. GGG

Classificações: GGGGG Excelente. GGGG Muito bom. GGG Bom. GG Regular. G Fraco. 1/2 Intermediário. N/A Não avaliado.

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