
O ano era 1970. Enquanto a música "Sex Machine" arrebentava nas paradas de sucesso norte-americanas, no sertão brasileiro um magrelão de 16 anos, vidrado em zabumba, sanfona e maracatu, deixava o interior de Pernambuco para estudar e trabalhar na cidade baiana de Paulo Afonso. Lá, ouviu pela primeira vez o mestre da black music e nunca mais pensou em outra coisa. Foi o dia em que James Brown e Luiz Gonzaga se fundiram: era a semente do hip-hop nacional. O homem que a plantou o tal magrelão já citado ganha neste ano uma biografia e um documentário sobre sua trajetória.Faz tempo que Nelson Gonçalves Campos Filho deixou de ser o Nelsão das festas de Paulo Afonso. Depois da Bahia, passou pelo Distrito Federal e, em 1977, mudou-se para São Paulo, onde se estabeleceu. Virou Nelson Triunfo acoplando a si o nome da cidade natal. Ao lado de figuras como Tony Tornado, estrelou os grandes bailes black das décadas de 70 e 80. Além disso, foi precursor da dança de rua no país, fez cinema, teatro e música. Levou sua arte ao exterior e, por aqui, ajudou a transformar o hip-hop em instrumento de educação para crianças e jovens. Em 2008, recebeu a Ordem do Mérito Cultural, comenda considerada a mais importante do setor no país.
Aos 56 anos, ele continua magrelão. Mantêm, também, a exuberante cabeleira black power que deixou crescer lá nos tempos de Paulo Afonso, "protesto contra uma sociedade que apenas valoriza aparências". Sofreu preconceitos pelo jeito de ser, por sua arte, por ser nordestino. Mas triunfou.
Vivendo com a mulher e dois filhos numa casa simples na periferia de São Paulo, Nelson Triunfo parece não fazer dimensão da importância de sua própria história. Ou faz, mas está numa outra sintonia e nem liga muito para isso. Ele conversou com a Gazeta do Povo. Leia trechos do bate-papo. Já se vão 30 anos de hip-hop nacional. O que mudou de lá pra cá?
Hoje o hip-hop é continental, temos grandes grupos de rap, dança, grafite e DJs do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Além disso, evoluiu de um movimento cultural para um movimento social e de inclusão de trabalho. Mas, no começo, era muito difícil. Tinha o militarismo [a ditadura militar], fui preso várias vezes. Quem vê hoje, acha bonito. Naseu já passei até fome, cara. Pensou em desistir?
Em momento algum. Era como se fosse uma missão minha, eu não tinha outra opção. Optei por trabalhar com o social e a dança num país cheio de preconceitos, de racismo. Sofri muito com isso, sofri por causa do meu sotaque. As pessoas adoravam a minha dança, mas quando eu falava, achavam feio.
A cabeleira é justamente um protesto contra isso?
Eu estudei contabilidade, fiz datilografia, mas eu ia trabalhar em quê com aquele cabelão? Os caras não queriam saber da minha potencialidade como cidadão; queriam um cara de cabelinho curto, gravatinha. Isso aí eu não ia fazer nunca, né, cara? Então, eu tive de desenvolver o meu trabalho, e sobrevivi. Segui um pouco aquela doutrina: se você não tem um caminho, construa.
Você está gravando um disco solo. Até hoje tinha explorado pouco a veia de compositor.
Pois é. De tanto dançar, o joelhão começou a dar sinais de cansaço. Nada mais certo do que me dedicar a um lado meu que ficou escondido, oculto. A maioria quer gravar o que está na moda. No meu caso, é totalmente diferente. Eu faço o que vivi e o que gosto: James Brown, Tony Tornado, black music, frevo, maracatu, Luiz Gonzaga. Eu cresci com meu pai tocando sanfona e me levando para os forrós de São João. Para qual direção a cultura de rua brasileira precisa seguir?
Vai sempre ter pessoas autênticas, e essas é que vão perseverar. Existem os novos galhos na árvore, é inevitável a evolução. Acredito que as pessoas que estão começando agora precisam pesquisar bem o passado, saber quem foram os precursores. Porque é muito importante a evolução, mas também saber de onde viemos. Você conhece o hip-hop de Curitiba?
A cidade está de parabéns! Tem excelentes dançarinos, trios que até já ganharam concursos aqui em São Paulo. Principalmente na dança, é uma galera muito evoluída, não deixa nada a desejar. Tem também um pessoal bom do rap, do grafite e da discotecagem. Curitiba evoluiu bastante dentro da cultura hip-hop.



