Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Livro

O epitáfio de um cadáver barulhento

Reunindo textos novos e outros escritos em mais de 25 anos de carreira jornalística, André Forastieri decreta a morte do rock pela própria irrelevância

 |
 |

1 de 1

Uma das bandas de metal mais sujas e pesadas da história, a britânica Motörhead, tem hoje seu próprio cruzeiro para que seus fãs endinheirados possam tomar cerveja com a marca da banda nos mares do Caribe. Outros grupos da mesma época, como os cabeludos do Twisted Sister, hoje fazem shows em convenções de advogados ou corretores de imóveis.

Para o polêmico jornalista André Forastieri, esses são dois exemplos do momento presente da desmantelada indústria do rock, a música que um dia o fez "ir pra vida de peito aberto, com medo e um tesão louco" após ouvir um disco do Clash.

Para ele, o gênero desencanado que surgiu para animar bailinhos e se transformou em arte pretensiosa e negócio bilionário hoje em dia já está morto, restando viva apenas uma "nostalgia ridícula".

As páginas deste seu primeiro livro O Dia em Que o Rock Morreu seriam sua forma de "cravar a estaca no monstro, enterrá-lo a sete palmos, e também festejá-lo".

O livro-epitáfio é dividido em quatro partes. Na primeira, Forastieri escreve sobre alguns dos mais idolatrados cadáveres das várias vertentes do gênero: John Lennon (1940-1980), Lou Reed (1942-2013), Amy Winehouse (1983-2011), Michael Jackson (1958-2009), Joe Strummer (1952-2002) e outros. O tom, definitivamente, não é de reverência. Também está lá o texto "Ronnie James Dio, o Deus ridículo do rock" escrito quando ex-vocalista do Rainbow e Black Sabbath morreu e cuja repercussão tornou Forastieri o inimigo N.º 1 de metaleiros do país.

Frase longa

Na sequência, é lançada a pá de cal no rock brasileiro. O texto "Porque os jovens brasileiros não gostam mais de rock (em uma frase bem longa)" é um dos melhores momentos do livro, por conter afirmações como esta: "...o que se chama de rock brasileiro pouco varia ente as ruínas emo-tatuadas do esquemão jabá-gravadora-Faustão e os indies dependentes seja de patrocínio estatal, do circuito publicitário-Sesc ou de um cooperativismo anarco-grilo e nem uns nem outros se conectam espiritualmente com nossas juventudes".

Depois, a metralhadora se volta sobre Roberto Carlos, Renato Russo e Caetano Veloso, mas também há momentos de celebração, como quando trata da casa noturna Napalm ou dos discos de Raul Seixas.

Na terceira parte, é tempo de se despedir do mercado que orbitava o rock quando ele ainda era relevante. Revistas de música, a arte das capas dos discos, a MTV, as gravadoras e, a qualquer tempo, as próprias bandas se tornariam obsoletas até a extinção.

O livro fecha com os textos que Forastieri escreveu sobre o Nirvana: os bastidores da famosa entrevista que fez com Kurt Cobain no Brasil em 1993 e os que escreveu sobre a morte do cantor, além dos 20 anos do lançamento do hoje "irrelevante" álbum Nevermind.

Nevermind era o brilho de uma estrela morta

"Olhos mortos, dentes limosos, cabelo imundo, pele macilenta. Sovaco fedido e hálito pestilento ...Cheirava mal e parecia pior – um tampinha insignificante e desagradável. Estou falando que Kurt Cobain era um merdinha e era." Esta é a descrição que inicia o relato de André Forastieri sobre a entrevista que fez com Kurt Cobain (1967-1994) para a revista Bizz em 1993. Cobain se matou com um tiro na cabeça no ano seguinte.

Em O Dia em Que o Rock Morreu, Forastieri escreve sobre as semelhanças que percebeu entre ele e o astro: ambos tinham quase a mesma idade, eram caipiras e tinham, na devida proporção, alavancado seus sonhos de infância. Kurt era o maior astro do rock, Forastieri o editor da maior revista do gênero no país. Semelhanças que paravam aí, pois Forastieri conta que seu encontro com o cantor – que dava sinais claros do destino que teria – o fez pensar, pela primeira vez, sobre a própria mortalidade e o ajudou a fazer a opção inversa à do astro. "Hoje eu sou um coroa e ele terá sempre 27 anos. Eu sou sortudo", analisa.

Para Forastieri, o álbum Nevermind (1991), saudado como o momento fundador de uma nova era do rock, era também, no fundo, o brilho de uma estrela morta. O último grande disco do rock foi exatamente isso: o último. E hoje em dia não representa mais nada. "Chega de nostalgia. O Nirvana não importa. Perfeita harmonia é perfeita paralisia. Que os mortos enterrem os mortos. Faça você mesmo – e faça agora", escreve. GGGG

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.