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Cenários idílicos e de descanso, como o Balneário Camboriú, são utilizados nos contos de Marcelo Mirisola | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Cenários idílicos e de descanso, como o Balneário Camboriú, são utilizados nos contos de Marcelo Mirisola| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

Marcelo Mirisola se supera, ainda mais, ao publicar Memórias da Sauna Finlandesa, o seu 11.º livro. O escritor paulistano refina, a cada nova obra, a sua já afiada verve crítica. Ele é admirado até pelos seus desafetos, que são muitos.

Mirisola costuma dizer que escreve para se vingar. Bacharel em Direito, nunca exerceu a profissão. Ele optou pela literatura. E não cansa de repetir que a vida literária arruinou a sua existência.

A insatisfação é o que move Mirisola.

Ele costuma transformar em literatura tudo o que está ao seu redor. Durante uma temporada, conviveu com escritores e boêmios que se reuniam em bares da Vila Madalena, em São Paulo. Escreveu a respeito de seus (hoje) ex-amigos, o que resultou em confusão.

Posteriormente, conviveu com a "fauna" da Praça Roosevelt, tendo transformado alguns ex-colegas em personagens do romance Animais em Extinção, assunto tabu no circuito literário brasileiro até hoje.

Mirisola escreve bem. Isso é fato.

Ele consegue fazer o que deseja com a palavra escrita. No conto "Para o Dostoiévski do Jardim Casqueiro", o narrador começa dizendo que torce para que o futebol acabe e, de repente, comenta que poderia inserir a Mariana Ximenes na trama. Então, cita a atriz em uma situação inusitada, e retorna ao enredo com elegância e bossa.

Mais do que "apenas" escrever, Mirisola sabe pensar. E tudo o que ele escreve é resultado de uma instigante e contínua crítica ao mundo contemporâneo.

Os 21 contos de Memórias da Sauna Finlandesa podem representar algum incômodo ou constrangimento ao chamado senso comum.

É que Mirisola usa a ficção para criticar aqueles que, para ele, apenas passam bovinamente pela vida. O escritor debocha, por exemplo, tanto dos inocentes do Leblon como dos acomodados do Balneário Camboriú.

O autor também critica o meio literário e cultural. E aqui cabem parênteses. Reza a lenda que Mirisola teve de fugir de São Paulo. Há algum tempo, ele assina uma coluna no site Congresso em Foco. Toda semana, escolhe um alvo. E "bate". Há algum tempo, começou a "zoar" com o Mano Brown, líder dos Racionais MCs. A reação foi imediata: passou a ser perseguido pelos "manos". Hoje, vive no Grajaú, zona norte carioca.

Mirisola, propositalmente, confunde o leitor. Nos textos de ficção, o narrador, além de narrar, assume a identidade do autor e enuncia frases que Mirisola repete publicamente. O autor assume que é travado, o que também é dito pelo narrador de um dos contos de Memórias da Sauna Finlandesa. "Acabei de escrever outro livro genial e o vazio já me provoca", diz a voz narrativa em um dos últimos contos do livro, frase que Mirisola já disse, na iminência de finalizar uma obra, em rodas de bate-papo e debates.

Mais do que meramente se expor, Mirisola ri de si mesmo e, em geral, quem sabe fazer isso (rir de si mesmo), quando ri dos outros, é implacável.

Mirisola coleciona desafetos porque sabe atacar, e acerta o alvo com muita precisão.

O conto "Canjica" foi escrito para desconstruir Paulo Lemins­ki e as viúvas do poeta paranaense, que são os muitos fãs que se consideram os donos do legado leminskiano. "O que me incomoda em Leminski são as piscadelas de cumplicidade", diz o narrador, que é o próprio escritor. Com a frase, Mirisola decifra a esfinge: Leminski conquistou e ainda conquista discípulos porque, em muitas situações, praticamente "falou" o que interlocutor desejava (e deseja) escutar (e isso é publicidade, e não necessariamente literatura).

Mirisola é, sem dúvida, um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos. Na prosa, é possivelmente o melhor. GGGG

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Serviço

Memórias da Sauna Finlandesa, de Marcelo Mirisola. Editora 34, 174 págs., R$ 28.

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