Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Literatura

O fator Snege

Fora de catálogo há anos, a obra do escritor curitibano autor de Viver É Prejudicial à Saúde ganha um tributo a partir de amanhã e continua mobilizando admiradores

 |
Todos os livros de Jamil Snege estão esgotados. Alguns custam até R$ 200 em sebos da Estante Virtual |

1 de 3

Todos os livros de Jamil Snege estão esgotados. Alguns custam até R$ 200 em sebos da Estante Virtual

 |

2 de 3

 |

3 de 3

Jamil Snege saiu de cena há quase oito anos, mas a sua obra literária, apesar de esgotada, é cada vez mais cultuada e lida. Alguns dos mais festejados autores da literatura brasileira contemporânea consideram o escritor curitibano sinônimo de excelência literária.

Ronaldo Bressane (Céu de Lúcifer) conta que terminou de ler Os Verões da Grande Leitoa Branca (contos, publicado em 2000), quando soube da morte de Snege, em maio de 2003. "Fiquei chateado, com aquela sensação de chegar bem no fim da festa. Porque certamente o Snege teria ainda muito a escrever", afirma Bressane, para quem a prosa do autor curitibano lembra a de Italo Calvino, a de Antonio Tabucchi e a de Enrique Vila-Matas. "Porque é um texto que tem atenção ao detalhe, ao mínimo, ao tom menor, mas cercado de uma ironia, um sarcasmo e uma desesperança muito contemporâneos, sem o menor pendor ao solene, com o olho esperto para a autocrítica, vertida num tom entre o fantástico e o prosaico. Uma prosa muito fina", define Bressane.

Os elementos da ficção de Snege, mencionados por Bressane, como ironia, sarcamo, a prosa "muito fina" enfim, poderão ser conferidos durante o Ciclo de Leitura Obras Completas, promovido pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC), que começa amanhã (15) e segue até o mês de julho, todas às terças-feiras, das 14 às 15 horas, exatamente na Casa da Leitura Jamil Snege, localizada na Rua da Cidadania da Fazendinha.

O projeto prevê a leitura na íntegra, em voz alta, de dez livros do autor, e a mediação será feita por Sandra Novaes, professora aposentada da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ela não conhecia a produção de Snege até outubro do ano passado, quando foi convidada, pela FCC, para esse projeto. Sandra é especialista na obra de Paulo Leminski e coordenou, ano passado, a edição do Ciclo de Leituras que contemplou a obra do poeta curitibano.

"Estou gostando muito da obra de Snege, que produziu textos bem humorados", diz Sandra. A inscrição para o Ciclo de Leituras é gratuita e, de acordo com a professora, o objetivo é compartilhar impressões a respeito dos textos que serão lidos.

Viver é prejudicial

O que impede a reedição dos livros de Snege é uma decisão judicial, uma vez que, desde que o autor morreu, em maio de 2003, ainda não foi concluído o inventário. A viúva Vera Lúcia Bachmann e os filhos Jean e Daniel Snege são os detentores dos direitos autorais, e demonstram interesse que os 13 livros do escritor voltem a circular, mas, por hora, nada podem fazer.

Enquanto isso, o culto a Snege só aumenta.

O escritor Joca Reiners Terron, vencedor do Prêmio Literário Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, afirma que Viver É Prejudicial à Saúde (1998) é uma das novelas mais perfeitas em língua portuguesa dos últimos 50 anos. "Li todos os livros de Jamil Snege e posso afirmar categoricamente que ele é o maior segredo literário de Curitiba, essa cidade tão generosa quanto avara de seus escritores. Generosa porque não param de surgir bons nomes por aí, e avara porque a maioria não consegue ser conhecida além de São José dos Pinhais", lamenta.

A pouca ressonância, sobretudo para um público mais amplo, da obra de Snege tem relação com uma estratégia do autor: ele sempre publicou os livros artesanalmente – alguns títulos foram viabilizados pela Travessa dos Editores, a exemplo do romance autobiográfico Como Eu Se Fiz Por Si Mesmo.

A postura editorial de Snege, no entanto, é elogiada pelo escritor e roteirista Marçal Aquino (O Invasor). "Até o fim, ele se manteve fiel a um projeto literário que dava uma sonora banana para os modismos e possibilidades do mercado. Se, por um lado, isso impediu que um número maior de leitores tomasse contato com seus livros, por outro, permitiu que ele se mantivesse comprometido com a única coisa que vale a pena um escritor se comprometer, que é a liberdade de escrever somente aquilo que ele quer escrever. Parece uma tarefa fácil, mas não é", afirma Aquino.

O escritor Marcelino Freire (Contos Negreiros) dedicou o seu mais recente livro, Rasif, para Snege. "Fiquei hipnotizado quando li, por exemplo, a sua novela Viver É Prejudicial à Saúde", diz, elogiando o estilo do prosador, para ele, "limpo, certeiro e irônico". Freire costuma ler textos de Snege nas oficinas literárias que ministra, e, acima de tudo, guarda na memória um episódio inesquecível ao lado de Snege. "Foi ele quem me apresentou a Boca Maldita, em Curitiba. Foi com ele que eu passei uma das tardes mais literariamente vigorosas da minha vida. Saudoso mestre! Eta danado!", finaliza Freire.

Serviço

Ciclo de Leitura Obras Completas – Lendo Jamil Snege. Casa da Leitura Jamil Snege (Rua da Cidadania da Fazendinha – Rua Carlos Klemtz, s/nº). Às terças-feiras, das 14 às 17 horas. Início: 15 de março. Até 26 de julho. Entrada franca. Informações e inscrições pelo telefone (41) 3350-3973.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.