
Era um domingo de inverno na década de 1960. Quase mil pessoas com seus respeitáveis chapéus e estilosas cigarrilhas aglomeravam-se em frente de um prédio da Rua Barão do Rio Branco, quase esquina com a Rua Marechal Deodoro, no centro de Curitiba. Na sacada, Orlando Silva cantava "Rosa de Maio" e olhava para baixo, com expressão surpresa. Enxergava homens e mulheres espremidos na calçada: eram os que não haviam conseguido entrar no lotado auditório da Rádio Clube Paranaense para acompanhar o "acontecimento da cidade".
A famosa PRB-2 marcou época. É lembrada com saudosismo por diversas gerações, seja por sua programação cultural, noticiários, mas também pelo esporte, destaque na programação da primeira rádio de Curitiba.
Oitenta e quatro anos e dois meses depois, foram demitidos oito funcionários (entre jornalistas, assistentes, auxiliares de produção e apresentadores) contratados pela Fundação Nossa Senhora do Rocio mantenedora da rádio desde outubro de 1973. A programação produzida em Curitiba foi extinta e a parceria com a rádio Eldorado, que por sua vez pertence ao Grupo Estado, foi reforçada.
Para os que fizeram carreira na emissora, uma lástima. Uma pena imensurável. Para o grupo Lúmen, do qual a Rádio Clube é integrante desde 1992, a medida é uma forma de manter a rádio viva.
"Temos um carinho muito grande por esta rádio e queremos deixar claro que ela não acabou. Nós tentamos várias alternativas na programação, mas não deu certo. Então fizemos uma parceria para ganharmos em conteúdo e economizarmos em estrutura", disse o diretor do grupo Lúmen, Armando Celi Júnior.
Passado
A trajetória da Rádio Clube começa no dia 17 de junho de 1924. Às 11 horas da manhã, na Mansão das Rosas, como era conhecida a residência do ervateiro Francisco Fido Fontana, a primeira transmissão foi realizada. A Lívio Gomes Moreira, estusiasmado radioamador, foi creditado a maior parte do feito. A PRB-2 nascia, então, como a primeira rádio do Paraná e a oitava do Brasil.
"Competir com a Rádio Nacional era uma temeridade na época, mas nós a enfrentamos. Por algum tempo, conseguimos ter audiência maior no horário das 13 horas, dedicado às novelas", disse Ubiratan Lustosa, que trabalhou por mais de 30 anos na B2. Em meados da década de 1960, os programas produzidos pela emissora passavam de 15. "Nós criamos inovações. Fazíamos quadros rápidos, misturando humor, radionovelas e musicais", disse o radialista, hoje aos 78 anos. Além da apresentação de Orlando Silva, na sacada da emissora, Vicente Celestino, Carlos Galhardo e até os Demônios da Garoa, em início de carreira, dividiram o palco com artistas locais, como a curitibana Claudete Rufino. Sua voz a impulsionou. Cantou ao lado do maestro Bento Mossurunga e recebeu diversos prêmios e benefícios para continuar seus estudos musicais. Mas antes, devido à pouca idade, teve de driblar a Justiça.
"Eu era muito menina e só consegui me apresentar pela primeira vez porque consegui ordem judicial", contou Claudete, que trabalhou na rádio por 24 anos e que foi enviada pela Clube a grandes eventos radiofônicos no Rio e em São Paulo. "Aquilo era uma família. Era um tempo em que existiam pessoas de sensibilidade e que realmente gostavam do que faziam. É uma pena que tenha acabado", disse a cantora, hoje com 74 anos.
Radionovela para as mulheres e esporte para os homens. As transmissões futebolísticas também fizeram história na B2. Foi em suas ondas que um Atletiba foi transmitido pela primeira vez, em 1933. "Em 1974, na Alemanha, fomos os primeiros paranaenses a cobrir uma Copa do Mundo ao vivo. Tínhamos equipamentos atualizados e muito potentes. A rádio era a bússola de quem acompanhava o futebol e é lamentável o estado em que se encontra hoje," disse Airton Cordeiro, ex-locutor e cronista da Gazeta do Povo. Já na década de 1980, a voz de Lombardi Júnior saía dos estádios e ecoava pela cidade, caminhando pelas ondas curtas da B2. Avanços tecnológicos, mudanças na diretoria e diversas crises depois, a Rádio Clube chegou a seu limite.
"Saudosismo não paga conta. Toda emissora precisa se manter de alguma forma. A rádio não foi extinta nem vai mudar de nome, mas agora é afiliada à rede Eldorado. Vamos transmitir notícias de Curitiba para todo o Brasil", complementou Armando Celi Júnior, diretor do grupo Lúmen há cinco anos.
Não haverá mais shows em sacadas, nem auditórios lotados. Mas a Rádio Clube AM continuará a existir, ao menos ali, onde o marcador aponta 1430 kHz.




