Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Cinema

O humor incorreto de Brüno

Novo filme do comediante que fez Borat estreia na próxima sexta-feira e traz à cena um homossexual fascinado pelo mundo da moda

Cena do filme Brüno | Divulgação
Cena do filme Brüno (Foto: Divulgação)
Cohen: na pele de Borat |

1 de 1

Cohen: na pele de Borat

Nova York - Em suas várias encarnações – Ali G, Borat e, agora, Brüno –, Sacha Baron Cohen conduz seu público, em compasso alternado, por situações de embaraço. Como Borat, Brüno (o novo filme de Cohen, que estreia nos cinemas na próxima sexta-feira) oferece alívio e, ao mesmo tempo, é a isca perfeita para aqueles espectadores de mente aberta que possam se sentir incomodados e acuados pelo tipo de sensibilidade cultural reinante.

Todos sabemos, por exemplo, que é errado rir de estrangeiros, que caçoar de seus sotaques e de seus costumes é mais grave do que estar fora de moda. Mas Borat, com suas atitudes bizarras e seu comportamento ofensivo, liberou a brincadeira para quem quiser embarcar nela. Podia-se, em Borat, dar risinhos e gargalhadas assistindo ao pastelão ignorante e retrógrado do personagem porque, claro, os verdadeiros xenófobos eram as pessoas na tela que caíam na pegadinha de que aquele cara era um jornalista do Cazaquistão.

Em Brüno (grafado com trema), o fato de o protagonista ser estrangeiro – ele é da Áustria, iden­tificada com Hitler, mas não com Wittgenstein, Schwarze­negger ou Freud – é, mais uma vez, um trunfo, reforçado pela homossexualidade do personagem. Brüno, um sujeito sarado com belas maçãs do rosto e uma obsessão pelo mundo fashion, ali se infiltra, de Viena a Los Angeles, para depois embarcar em improváveis excursões à África, ao Oriente Médio e ao sul dos Estados Unidos. Onde quer que vá, suas ideias estranhas do que é moda e sua total falta de vergonha deixam um rastro de sobrancelhas arqueadas, caras feias e ocasionais ataques incontroláveis de fúria.

O filme demonstra que a homofobia como sátira se tornou uma forma aceitável, quase inevitável, de humor homofóbico, ou ao menos uma maneira de fazer piadas que, em outro contexto, ultrapassariam os limites. Uma das sequências iniciais, que usa computação gráfica para mostrar Brüno e seu parceiro se exercitando em várias posições e com a ajuda de, entre outras coisas, uma garrafa de champanhe, um extintor de incêndio e um aparelho de academia especialmente adaptado, deriva seu humor menos do absurdo das práticas dos dois amantes do que da noção de que sexo entre homens é algo inerentemente esquisito, vulgar e cômico. A mesma sequência com um homem e uma mulher – ou, por falar nisso, entre duas mulheres – seria vista, provavelmente na internet, e não num multiplex, como inventiva e moderadamente pornográfica em suas perversões, nunca como farsa grotesca e chocante.

Mas quem ficar desconfortável com Brüno, essa extravagante encarnação do estereótipo mais tolo e retrógrado sobre o comportamento gay, poderá se sentir aliviado e até se divertir ao ver o pânico e a confusão com que outras pessoas reagem a ele. E, claro, são esses outros – principalmente brancos sulistas e, de brinde, alguns afro-americanos, os verdadeiros alvos do humor do filme.

Às vezes, acertam o alvo, como quando Brüno visita um pastor que tenta aconselhá-lo a abandonar o homossexualismo. E um outro encontro, com um grupo heterossexual que pratica a troca de casais, rende alguns momentos fascinantes de humor e náusea. Mas o ponto alto do filme – uma luta com dois fortões numa jaula, ensaiada para se transformar em show de sexo entre homens e acabar em pancadaria antigay – soa ao mesmo tempo forçada e fácil demais.

Não é tão difícil encontrar, nos Estados Unidos, gente disposta a expor seus medos, sua ignorância e seu ódio em frente a uma câmera, como sabe qualquer pessoa que teve acesso ao YouTube durante as últimas eleições presidenciais. Escárnio, porém, não é necessariamente sinônimo de boas sacadas, e "Olha só que caipiras idiotas" não é lá é muito original como tirada cômica.

Borat se proclamava um filme sobre "aprendizados culturais na América", mas Baron Cohen tomou o rumo do entretenimento patenteado cujo frescor entrou em decadência junto com suas ousadias satíricas. Nos Estados Unidos de Brüno, estranhamente, não há gays assumidos nem qualquer personagem cuja esquisitice pudesse supostamente agredir sensibilidades no público potencial do filme.

Vale dizer que Baron Cohen segue brilhante no gênero da comédia pastelão e um mestre das imitações – sua gozação do alemão e das expressões idiomáticas em inglês são, muitas vezes, ainda mais tresloucadas e direto ao ponto do que o linguajar de Borat –, além de ser um comediante que ostenta muita disciplina e não pouca coragem física. É capaz de se manter no personagem até mesmo, por exemplo, quando uma mulher nua o chicoteia com um cinto.

Baron Cohen não está mais a fim de fazer graça com gente poderosa e importante. E por que estaria? Ele figura na lista de vips em todo lugar, exibindo as pernas na capa da revista GQ e é capaz de juntar Sting, Bono e Snoop Dogg no clipe musical ao final de Brüno. É um número bem sacado – o verso de Snoop que diz que Brüno é "o Obama branco" talvez seja a fala mais engraçada do filme – e os músicos todos parecem contentes em providenciar o acompanhamento para a brincadeira. Sorte deles. Mas a piada é você.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.